Telegramas confidenciais de diplomatas dos EUA afirmam que o governo
brasileiro teme ataques terroristas na Olimpíada de 2016, no Rio.
Abaixo, a íntegra do documento, lido com exclusivida pela Folha e relatado em reportagem de Fernando Rodrigues publicada nesta quinta-feira (2).
24/12/2009 13h07
CONFIDENCIAL
ASSUNTO: Olimpíadas Rio 2016 - O Futuro é Agora
Lisa Kubiske, vice-embaixadora
Os brasileiros saudaram o anúncio, feito em 1º de outubro, de que os
Jogos Olímpicos de 2016 acontecerão no Rio de Janeiro com uma onda de
manifestações de orgulho nacional, uma festa na praia de Copacabana e um
sentimento de alívio porque o país está recebendo um pouco de
reconhecimento já atrasado por sua liderança regional e internacional.
Politicamente, o GOB (governo brasileiro) quer capitalizar sobre as
Olimpíadas no país para consolidar a imagem do Brasil como líder da
América do Sul e potência global emergente. Internamente, a decisão do
COI está sendo retratada como validação da administração do presidente
Lula. O GOB entende que enfrenta desafios críticos na preparação para os
Jogos de 2016 e, como resultado, demonstrou abertura maior para a
cooperação com o USG (governo dos EUA) em áreas como a partilha de
informações --tendo chegado a admitir que pode haver a possibilidade de
ameaças terroristas.
O governo Lula vem tomando cuidado para vincular a candidata escolhida
por Lula para sucedê-lo em 2011, Dilma Rousseff, com a decisão do COI, e
espera que a euforia gerada pela escolha do Rio se traduza em mais
votos para Rousseff nas eleições. Contudo, ainda restam problemas
significativos que podem prejudicar o sucesso dos Jogos, especialmente
em termos de fazer frente a preocupações de segurança. A liderança
brasileira permanece altamente sensível a percepções de ingerência do
USG e ainda não iniciou os preparativos para a coordenação
internacional. Além de preparar-se para as oportunidades comerciais que
os Jogos vão proporcionar para empresas dos EUA, o USG deve buscar
alavancar o interesse brasileiro de sucesso olímpico de modo a fomentar o
avanço da cooperação bilateral em áreas como segurança e intercâmbios
de informação.
Em meio à comemoração da escolha feita em 1º de outubro do Rio de
Janeiro para abrigar as Olimpíadas de 2016, um forte sentimento de
alívio se verifica entre líderes brasileiros. O presidente Lula
descreveu a sensação como "o fim do complexo de vira-lata", a ideia de
que o Brasil, de alguma maneira, não mereça o status de país importante.
A coordenadora de Cooperação Esportiva do Ministério das Relações
Exteriores (MRE), Vera Alvarez, observou que o fato de o Brasil ter sido
o primeiro país sul-americano escolhido para sediar os Jogos foi visto
como prova de que o mundo (ou, pelo menos, o COI) reconhece a primazia e
liderança regional do Brasil no continente. Alvarez fez eco a um ponto
de vista expresso com frequência na imprensa brasileira: as concorrentes
do Rio tinham sido Chicago (Estados Unidos), Madri (UE) e Tóquio (Borda
Pacífica), e a vitória do Rio deve, portanto, refletir o êxito
comparativo que se considera que o Brasil vem tendo em enfrentar a crise
financeira global. "O COI apreciou que fomos os primeiros a emergir da
crise", disse ela.
Indagada sobre quais são as metas do Brasil em relação às Olimpíadas que
acontecerão no Rio, Alvarez repetiu a afirmação do presidente Lula de
que estes serão os "jogos da América do Sul" e disse que o GOB pretende
abrir suas fronteiras a seus vizinhos para incentivar o comparecimento
de fãs de esportes vindos de todo o continente. A ministra-chefe da Casa
Civil e provável candidata presidencial Dilma Rousseff disse que os
Jogos darão oportunidades para uma geração de brasileiros mais jovens e
que o governo vai disponibilizar muitos ingressos para jovens da América
do Sul.
Alvarez comparou o efeito das Olimpíadas acontecendo no Rio à chegada da
corte portuguesa, em 1808, quando o Rio passou de cidade litorânea a
capital de um império. Em seguida ela prometeu que os Jogos de 2016
serão as Olimpíadas "mais verdes" já promovidas e que seu sucesso vai
melhorar a imagem internacional do Brasil.
Embora o Brasil tenha alguma experiência com grandes eventos como os
Jogos Panamericanos, as Olimpíadas serão um desafio sem precedentes. O
grande ponto de interrogação relativo à seleção do Rio tem sido a
situação de segurança, dúvida esta que ganhou destaque em 17 de outubro,
quando um tiroteio entre quadrilhas de drogas resultou na derrubada de
um helicóptero da polícia (Ref c).
Contatos no MRE vêm falando em tom defensivo sobre questões de
segurança, dizendo aos membros da Missão (americana) no Brasil (com
frequência sem que nada tenha sido perguntado) que o COI evidentemente
não considera inadequada a situação de segurança do Rio. Tirando a
resposta padrão do MRE, contudo, funcionários do GOB têm demonstrado
compreender que a segurança será uma preocupação séria nas Olimpíadas.
O assessor político do MRE Marcos Pinta Gama sugeriu que o Acordo Geral
de Segurança da Informação Militar (GSOMIA), cuja assinatura está
pendente, poderia ser seguido por outro acordo para compartilhar
informações de segurança para as Olimpíadas. Alvarez chegou a admitir
que terroristas podem alvejar o Brasil em função das Olimpíadas, uma
afirmação extremamente incomum vinda de um governo que acredita
oficialmente que o terrorismo não existe no Brasil. A Senasp (Secretaria
Nacional de Segurança Pública, do Ministério da Justiça) foi
encarregada da segurança nas Olimpíadas e vai coordenar os esforços
totais do GOB para garantir a segurança em campo. Enquanto isso, as
autoridades cariocas expressaram confiança no impacto que o Plano de
Pacificação das Favelas (Ref d) terá sobre a segurança geral da cidade.
O Plano --que envolve a expulsão de traficantes de drogas, a implantação
de uma presença policial sustentada e a prestação de serviços básicos
aos moradores das favelas-- prevê a "pacificação" de mais de cem
comunidades de favelas até 2016 (Ref e).
Antes mesmo da seleção do Rio, o governo Lula já estava trabalhando
arduamente para converter a decisão em vantagem política. A candidata
escolhida por Lula para sucedê-lo, a ministra-chefe da Casa Civil Dilma
Rousseff, estava a seu lado em Copenhague durante a seleção, fato que o
ministro dos Esportes, Orland Silva, declarou que "vai ajudar a
candidatura de Dilma". O papel de grande visibilidade exercido por Lula
em fazer lobby em favor das Olimpíadas é retratado no Brasil como
validação internacional de sua administração e reconhecimento de Lula
como ator mundial chave.
Na verdade, a realidade é que boa parte do planejamento e da preparação
reais para a candidatura do Rio foram feitas pelos governos estadual e
municipal do Rio. Mas as autoridades cariocas contavam com a presença de
Lula para fornecer o prestígio internacional necessário para que a
candidatura ganhasse. Em reunião recente, o governador Cabral explicou
ao Cônsul-Geral em detalhes coloridos sobre os esforços incansáveis de
lobby feitos por Lula em Copenhague. De acordo com Silva, "a oposição
vai ter que engolir a liderança de Lula". Ao reivindicar o crédito pela
vitória do Rio, Lula está procurando reforçar seu índice de aprovação,
já alto, e utilizar sua popularidade para criar apoio para Dilma
Rousseff na eleição presidencial de outubro de 2010. Como primeiro
passo, a administração anunciou um Plano de Aceleração do Crescimento
(PAC) olímpico especial sob a liderança de Rousseff.
Uma das iniciativas que trazem a marca de Lula, o PAC é um plano de
utilização de recursos governamentais para alavancar os investimentos do
setor privado na infraestrutura (ref. A). Embora a implementação do PAC
venha sendo extremamente lenta, o programa goza de imagem positiva
entre os brasileiros, e, ao colocar Rousseff na liderança, Lula ajuda a
fortalecê-la como a candidata que vai preparar o Rio para os Jogos
Olímpicos.
O fato de ser escolhido para sediar as Olimpíadas é visto como grande
vitória para o Brasil naquilo que os brasileiros enxergam como uma luta
pelo reconhecimento merecido. "Chega de sermos o país do futuro. Somos o
país do presente", afirmou Rousseff. O risco é que o GOB opte por
deitar-se sobre seus louros e não comece o trabalho de fazer o
planejamento para os Jogos --Jogos estes que Lula já qualificou de
grande sucesso.
Apesar da afirmação de Rousseff de que "aprendemos com os Jogos
Panamericanos", a coordenação para a Copa do Mundo de 2014,
especialmente com relação à segurança, está atrasada. As tentativas de
pessoal da Embaixada de entrar em contato com o Ministério dos Esportes
foram rejeitadas. O GOB apresentou uma visão para as Olimpíadas --uma
Olimpíada baseada na cultura sul-americana, na abertura à juventude e
que será ecologicamente saudável_ que funcionou bem em termos de
política doméstica e agradou ao COI. Até agora, contudo, embora o
planejamento estadual e municipal venha avançando constantemente, pouco
planejamento prático foi feito ao nível federal para a implementação
desta visão grandiosa.
NOTA: Os desafios do Rio na construção de infraestrutura e no
financiamento dos Jogos serão relatados em telegrama separado. Por
exemplo, para tornar os eventos mais acessíveis ao público
sul-americano, Lula disse que o GOB vai distribuir ingressos gratuitos à
classe trabalhadora e aos jovens do continente. O MRE admitiu que ainda
não se pensou concretamente em como isto vai impactar as projeções de
receita com ingressos ou a segurança, nem em como será administrado o
potencial fluxo de espectadores jovens que vão atravessar as fronteiras
do Brasil. O Rio também enfrenta uma multidão de desafios na construção
da infraestrutura e no financiamento dos Jogos.
Do mesmo modo, Lula declarou que o Brasil vai ganhar mais medalhas nos
Jogos do Rio do que ganhou no passado, mas não há nenhum programa sendo
implementado para aprimorar o desenvolvimento de atletas de elite.
O Brasil já mostrou que é capaz de sediar eventos de grande escala como
os Jogos Panamericanos de 2007, mas as Olimpíadas vão encerrar um tipo
diferente de desafio. Ao mesmo tempo em que festeja a vitória do Rio, o
GOB atual, que tem menos de um ano de mandato pela frente, parece estar
adotando uma abordagem descontraída aos preparativos. A Embaixada do
Reino Unido informa que teve menos contato com o GOB sobre as Olimpíadas
do que nós, apesar de estar ansiosa para compartilhar as lições
aprendidas com o planejamento inicial para Londres 2012.
Embora o muito fraco Ministério dos Esportes exerça a liderança nominal
na coordenação dos preparativos olímpicos, a Missão prevê que a próxima
administração possa organizar os preparativos de maneira diferente,
possivelmente através do Ministério do Planejamento ou da Casa Civil, ou
até mesmo criar um novo órgão especificamente para coordenar a
infraestrutura, o planejamento de segurança e a logística das
Olimpíadas. Embora a polícia e as Forças Armadas tenham iniciado seu
planejamento, é muito possível que a realidade seja que o próximo
governo, que tomará posse em janeiro de 2011, tenha esforços sérios pela
frente.
Formular as grandes metas e deixar os detalhes para o último minuto pode
ser uma abordagem tipicamente brasileira, mas ela pode levar a
problemas. Os atrasos que prevemos por parte do GOB no planejamento e na
execução das obras preparatórias para uma Copa do Mundo e Jogos
Olímpicos bem-sucedidos quase certamente imporão ao USG um ônus maior
para assegurar que os padrões necessários sejam respeitados. A Missão no
Brasil já começou a fazer a coordenação entre agências do USG em
Brasília e no Rio de Janeiro e já iniciou o planejamento prévio para
aumentos importantes em pessoal, instalações e recursos que serão
necessários para administrar o envolvimento dos EUA nos Jogos.
Levando em conta o alto grau de interesse visto entre os brasileiros em
relação às Olimpíadas e o valor alto atribuído pelo Brasil à realização
de Olimpíadas bem-sucedidas, já existem oportunidades para o USG buscar
uma cooperação com vista para os Jogos e para ele fazer uso dessa
cooperação para fomentar objetivos mais amplos do USG no Brasil,
incluindo o aumento da cooperação e a perícia brasileira em atividades
de contraterrorismo. Olhando para o futuro, aproveitar as Olimpíadas
para trabalhar questões de segurança deve ser uma prioridade, como
também devem ser a cooperação em relação à cibercriminalidade e à
segurança de informação mais ampla (ver ref B sobre áreas adicionais de
cooperação potencial). Também devemos procurar embutir ofertas de
diálogo nos preparativos para grandes eventos esportivos, como parte de
todos os contatos de alto nível com os brasileiros. KUBISKE
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