quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

EUA afirmam que Rio teme ser alvo de terrorismo em 2016; leia em português

Telegramas confidenciais de diplomatas dos EUA afirmam que o governo brasileiro teme ataques terroristas na Olimpíada de 2016, no Rio.
Abaixo, a íntegra do documento, lido com exclusivida pela Folha e relatado em reportagem de Fernando Rodrigues publicada nesta quinta-feira (2).


 
24/12/2009 13h07
CONFIDENCIAL
ASSUNTO: Olimpíadas Rio 2016 - O Futuro é Agora
Lisa Kubiske, vice-embaixadora
Os brasileiros saudaram o anúncio, feito em 1º de outubro, de que os Jogos Olímpicos de 2016 acontecerão no Rio de Janeiro com uma onda de manifestações de orgulho nacional, uma festa na praia de Copacabana e um sentimento de alívio porque o país está recebendo um pouco de reconhecimento já atrasado por sua liderança regional e internacional.
Politicamente, o GOB (governo brasileiro) quer capitalizar sobre as Olimpíadas no país para consolidar a imagem do Brasil como líder da América do Sul e potência global emergente. Internamente, a decisão do COI está sendo retratada como validação da administração do presidente Lula. O GOB entende que enfrenta desafios críticos na preparação para os Jogos de 2016 e, como resultado, demonstrou abertura maior para a cooperação com o USG (governo dos EUA) em áreas como a partilha de informações --tendo chegado a admitir que pode haver a possibilidade de ameaças terroristas.
O governo Lula vem tomando cuidado para vincular a candidata escolhida por Lula para sucedê-lo em 2011, Dilma Rousseff, com a decisão do COI, e espera que a euforia gerada pela escolha do Rio se traduza em mais votos para Rousseff nas eleições. Contudo, ainda restam problemas significativos que podem prejudicar o sucesso dos Jogos, especialmente em termos de fazer frente a preocupações de segurança. A liderança brasileira permanece altamente sensível a percepções de ingerência do USG e ainda não iniciou os preparativos para a coordenação internacional. Além de preparar-se para as oportunidades comerciais que os Jogos vão proporcionar para empresas dos EUA, o USG deve buscar alavancar o interesse brasileiro de sucesso olímpico de modo a fomentar o avanço da cooperação bilateral em áreas como segurança e intercâmbios de informação.
Em meio à comemoração da escolha feita em 1º de outubro do Rio de Janeiro para abrigar as Olimpíadas de 2016, um forte sentimento de alívio se verifica entre líderes brasileiros. O presidente Lula descreveu a sensação como "o fim do complexo de vira-lata", a ideia de que o Brasil, de alguma maneira, não mereça o status de país importante.
A coordenadora de Cooperação Esportiva do Ministério das Relações Exteriores (MRE), Vera Alvarez, observou que o fato de o Brasil ter sido o primeiro país sul-americano escolhido para sediar os Jogos foi visto como prova de que o mundo (ou, pelo menos, o COI) reconhece a primazia e liderança regional do Brasil no continente. Alvarez fez eco a um ponto de vista expresso com frequência na imprensa brasileira: as concorrentes do Rio tinham sido Chicago (Estados Unidos), Madri (UE) e Tóquio (Borda Pacífica), e a vitória do Rio deve, portanto, refletir o êxito comparativo que se considera que o Brasil vem tendo em enfrentar a crise financeira global. "O COI apreciou que fomos os primeiros a emergir da crise", disse ela.
Indagada sobre quais são as metas do Brasil em relação às Olimpíadas que acontecerão no Rio, Alvarez repetiu a afirmação do presidente Lula de que estes serão os "jogos da América do Sul" e disse que o GOB pretende abrir suas fronteiras a seus vizinhos para incentivar o comparecimento de fãs de esportes vindos de todo o continente. A ministra-chefe da Casa Civil e provável candidata presidencial Dilma Rousseff disse que os Jogos darão oportunidades para uma geração de brasileiros mais jovens e que o governo vai disponibilizar muitos ingressos para jovens da América do Sul.
Alvarez comparou o efeito das Olimpíadas acontecendo no Rio à chegada da corte portuguesa, em 1808, quando o Rio passou de cidade litorânea a capital de um império. Em seguida ela prometeu que os Jogos de 2016 serão as Olimpíadas "mais verdes" já promovidas e que seu sucesso vai melhorar a imagem internacional do Brasil.
Embora o Brasil tenha alguma experiência com grandes eventos como os Jogos Panamericanos, as Olimpíadas serão um desafio sem precedentes. O grande ponto de interrogação relativo à seleção do Rio tem sido a situação de segurança, dúvida esta que ganhou destaque em 17 de outubro, quando um tiroteio entre quadrilhas de drogas resultou na derrubada de um helicóptero da polícia (Ref c).
Contatos no MRE vêm falando em tom defensivo sobre questões de segurança, dizendo aos membros da Missão (americana) no Brasil (com frequência sem que nada tenha sido perguntado) que o COI evidentemente não considera inadequada a situação de segurança do Rio. Tirando a resposta padrão do MRE, contudo, funcionários do GOB têm demonstrado compreender que a segurança será uma preocupação séria nas Olimpíadas.
O assessor político do MRE Marcos Pinta Gama sugeriu que o Acordo Geral de Segurança da Informação Militar (GSOMIA), cuja assinatura está pendente, poderia ser seguido por outro acordo para compartilhar informações de segurança para as Olimpíadas. Alvarez chegou a admitir que terroristas podem alvejar o Brasil em função das Olimpíadas, uma afirmação extremamente incomum vinda de um governo que acredita oficialmente que o terrorismo não existe no Brasil. A Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública, do Ministério da Justiça) foi encarregada da segurança nas Olimpíadas e vai coordenar os esforços totais do GOB para garantir a segurança em campo. Enquanto isso, as autoridades cariocas expressaram confiança no impacto que o Plano de Pacificação das Favelas (Ref d) terá sobre a segurança geral da cidade.
O Plano --que envolve a expulsão de traficantes de drogas, a implantação de uma presença policial sustentada e a prestação de serviços básicos aos moradores das favelas-- prevê a "pacificação" de mais de cem comunidades de favelas até 2016 (Ref e).
Antes mesmo da seleção do Rio, o governo Lula já estava trabalhando arduamente para converter a decisão em vantagem política. A candidata escolhida por Lula para sucedê-lo, a ministra-chefe da Casa Civil Dilma Rousseff, estava a seu lado em Copenhague durante a seleção, fato que o ministro dos Esportes, Orland Silva, declarou que "vai ajudar a candidatura de Dilma". O papel de grande visibilidade exercido por Lula em fazer lobby em favor das Olimpíadas é retratado no Brasil como validação internacional de sua administração e reconhecimento de Lula como ator mundial chave.
Na verdade, a realidade é que boa parte do planejamento e da preparação reais para a candidatura do Rio foram feitas pelos governos estadual e municipal do Rio. Mas as autoridades cariocas contavam com a presença de Lula para fornecer o prestígio internacional necessário para que a candidatura ganhasse. Em reunião recente, o governador Cabral explicou ao Cônsul-Geral em detalhes coloridos sobre os esforços incansáveis de lobby feitos por Lula em Copenhague. De acordo com Silva, "a oposição vai ter que engolir a liderança de Lula". Ao reivindicar o crédito pela vitória do Rio, Lula está procurando reforçar seu índice de aprovação, já alto, e utilizar sua popularidade para criar apoio para Dilma Rousseff na eleição presidencial de outubro de 2010. Como primeiro passo, a administração anunciou um Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) olímpico especial sob a liderança de Rousseff.
Uma das iniciativas que trazem a marca de Lula, o PAC é um plano de utilização de recursos governamentais para alavancar os investimentos do setor privado na infraestrutura (ref. A). Embora a implementação do PAC venha sendo extremamente lenta, o programa goza de imagem positiva entre os brasileiros, e, ao colocar Rousseff na liderança, Lula ajuda a fortalecê-la como a candidata que vai preparar o Rio para os Jogos Olímpicos.
O fato de ser escolhido para sediar as Olimpíadas é visto como grande vitória para o Brasil naquilo que os brasileiros enxergam como uma luta pelo reconhecimento merecido. "Chega de sermos o país do futuro. Somos o país do presente", afirmou Rousseff. O risco é que o GOB opte por deitar-se sobre seus louros e não comece o trabalho de fazer o planejamento para os Jogos --Jogos estes que Lula já qualificou de grande sucesso.
Apesar da afirmação de Rousseff de que "aprendemos com os Jogos Panamericanos", a coordenação para a Copa do Mundo de 2014, especialmente com relação à segurança, está atrasada. As tentativas de pessoal da Embaixada de entrar em contato com o Ministério dos Esportes foram rejeitadas. O GOB apresentou uma visão para as Olimpíadas --uma Olimpíada baseada na cultura sul-americana, na abertura à juventude e que será ecologicamente saudável_ que funcionou bem em termos de política doméstica e agradou ao COI. Até agora, contudo, embora o planejamento estadual e municipal venha avançando constantemente, pouco planejamento prático foi feito ao nível federal para a implementação desta visão grandiosa.
NOTA: Os desafios do Rio na construção de infraestrutura e no financiamento dos Jogos serão relatados em telegrama separado. Por exemplo, para tornar os eventos mais acessíveis ao público sul-americano, Lula disse que o GOB vai distribuir ingressos gratuitos à classe trabalhadora e aos jovens do continente. O MRE admitiu que ainda não se pensou concretamente em como isto vai impactar as projeções de receita com ingressos ou a segurança, nem em como será administrado o potencial fluxo de espectadores jovens que vão atravessar as fronteiras do Brasil. O Rio também enfrenta uma multidão de desafios na construção da infraestrutura e no financiamento dos Jogos.
Do mesmo modo, Lula declarou que o Brasil vai ganhar mais medalhas nos Jogos do Rio do que ganhou no passado, mas não há nenhum programa sendo implementado para aprimorar o desenvolvimento de atletas de elite.
O Brasil já mostrou que é capaz de sediar eventos de grande escala como os Jogos Panamericanos de 2007, mas as Olimpíadas vão encerrar um tipo diferente de desafio. Ao mesmo tempo em que festeja a vitória do Rio, o GOB atual, que tem menos de um ano de mandato pela frente, parece estar adotando uma abordagem descontraída aos preparativos. A Embaixada do Reino Unido informa que teve menos contato com o GOB sobre as Olimpíadas do que nós, apesar de estar ansiosa para compartilhar as lições aprendidas com o planejamento inicial para Londres 2012.
Embora o muito fraco Ministério dos Esportes exerça a liderança nominal na coordenação dos preparativos olímpicos, a Missão prevê que a próxima administração possa organizar os preparativos de maneira diferente, possivelmente através do Ministério do Planejamento ou da Casa Civil, ou até mesmo criar um novo órgão especificamente para coordenar a infraestrutura, o planejamento de segurança e a logística das Olimpíadas. Embora a polícia e as Forças Armadas tenham iniciado seu planejamento, é muito possível que a realidade seja que o próximo governo, que tomará posse em janeiro de 2011, tenha esforços sérios pela frente.
Formular as grandes metas e deixar os detalhes para o último minuto pode ser uma abordagem tipicamente brasileira, mas ela pode levar a problemas. Os atrasos que prevemos por parte do GOB no planejamento e na execução das obras preparatórias para uma Copa do Mundo e Jogos Olímpicos bem-sucedidos quase certamente imporão ao USG um ônus maior para assegurar que os padrões necessários sejam respeitados. A Missão no Brasil já começou a fazer a coordenação entre agências do USG em Brasília e no Rio de Janeiro e já iniciou o planejamento prévio para aumentos importantes em pessoal, instalações e recursos que serão necessários para administrar o envolvimento dos EUA nos Jogos.
Levando em conta o alto grau de interesse visto entre os brasileiros em relação às Olimpíadas e o valor alto atribuído pelo Brasil à realização de Olimpíadas bem-sucedidas, já existem oportunidades para o USG buscar uma cooperação com vista para os Jogos e para ele fazer uso dessa cooperação para fomentar objetivos mais amplos do USG no Brasil, incluindo o aumento da cooperação e a perícia brasileira em atividades de contraterrorismo. Olhando para o futuro, aproveitar as Olimpíadas para trabalhar questões de segurança deve ser uma prioridade, como também devem ser a cooperação em relação à cibercriminalidade e à segurança de informação mais ampla (ver ref B sobre áreas adicionais de cooperação potencial). Também devemos procurar embutir ofertas de diálogo nos preparativos para grandes eventos esportivos, como parte de todos os contatos de alto nível com os brasileiros. KUBISKE

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