Entre chuvaradas tropicais no hemisfério Sul e nevascas homéricas no
norte, 2010 se encaminhava para seu final quando apontaram na curva o
WikiLeaks e seu emblemático dirigente, o australiano Julian Assange.
Qual hemorragia digital, o site, que desde 2006 abriga documentos
confidenciais e denúncias de ações irregulares de governos e empresas,
começou a publicar milhares de despachos secretos da diplomacia
norte-americana e colocou em polvorosa Washington, seus aliados e até
adversários, para não falar de companhias financeiras, petrolíferas e
farmacêuticas.
Ao chacoalhar o verniz de suposta elegância com que são conduzidos os
negócios diplomáticos, um punhado de ativistas armado de computadores e
linhas de comunicação globais mostrou que, definitivamente, a era
informata não apenas decretou o fim da privacidade dos indivíduos, que
se revelam nas redes sociais, mas também é capaz de expor os detalhes
mais recônditos (e, supostamente, protegidos) da ação de governos e
corporações.
A internet está aberta para todos, por mais controles que se lhe tentem
impor. Pode ser cenário do mais tosco besteirol e palco para as mais
grandiosas ações --como é o caso do episódio WikiLeaks, eleito por
jurados escolhidos pela Folha o acontecimento do ano, sendo Assange a personalidade estrangeira do ano.
O júri brasileiro não está sozinho. Mais de 300 mil leitores da revista
"Time" elegeram o australiano a pessoa do ano. A publicação, no entanto,
ficou com outra figura internética, Mark Zuckerberg, chefão do Facebook
--por sinal, também uma plataforma em que a privacidade se esgarça.
A reação de governos e corporações ao episódio talvez seja mais
reveladora de sua política pouco avessa à transparência e às agruras da
democracia do que os próprios despachos publicados pelo WikiLeaks.
Tal como fez no século passado, sem sucesso, no episódio dos documentos
do Pentágono, o governo dos Estados Unidos imediatamente tratou de
fustigar o mensageiro, considerando espionagem a ação jornalística --os
despachos diplomáticos revelados pelo WikiLeaks foram divulgados em
parceria com um pool de jornais que inclui o britânico "The Guardian", o
norte-americano "The New York Times" e a Folha.
Ao mesmo tempo, na Europa, fechou-se o cerco à movimentação física de
Assange, atingido com um processo por supostos crimes sexuais cometidos
na Suécia. Ainda que alguém possa vir um dia a provar que arrebentou uma
camisinha usada pelo dirigente do WikiLeaks, toda a ação parece ter
como principal objetivo desqualificar o australiano, além de tirá-lo de
cena.
A Amazon recusou-se a continuar abrigando o site em seu servidor,
enquanto MasterCard, Visa e PayPal decidiram deixar de receber doações
dirigidas ao site --no último sábado, o Bank of America somou-se ao
torniquete financeiro.
"É um novo tipo de macartismo nos Estados Unidos para privar esta
organização dos recursos que precisa para sobreviver ", disse Assange,
referindo-se à caçada anticomunista liderada pelo senador Joseph
McCarthy nas décadas de 40 e 50.
A comunidade internética contra-atacou. Hackers derrubaram ou
dificultaram a operação de sites anti-WikiLeaks, servidores alternativos
foram rapidamente erguidos para manter as denúncias no ar e sistemas
eletrônicos para receber doações estão em operação. Apesar das denúncias
de boicote, funciona plenamente o perfil do WikiLeaks no Twitter, com
569.355 na tarde de sábado. Na mesma hora, no Facebook, 1.404.337
pessoas já tinham curtido a página do serviço.
E vem mais por aí, promete Julian Assange.
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