É incrível como o ambiente se transformou nas últimas décadas. Não é
preciso ter cabelos brancos para lembrar da infância como um lugar
distante, remoto, caipira. Entre os mais novos é comum a surpresa com a
vida pacata de seus pais e avós em comunidades cuja maior rede de
comunicação era a fofoca e a realidade mais próxima da Virtual era o
Paraíso. Mesmo com eletricidade, TV e telefones, o mundo de 1982 ainda
seria compreendido por alguém vindo de 1482.
Não mais. O Futuro, tão anunciado na segunda metade do século passado,
parece que finalmente chegou. Presente e imprescindível, ainda que
mal-distribuído, ele parece mágica. As inovações cotidianas, de Skype em
celulares a chocolates belgas em pleno sertão, são tão rápidas que
atordoam. Muitos cultuam Bill Gates, Steve Jobs ou Jeff Bezos,
acreditando que a mudança seja invenção deles. Bobagem. Ninguém inventou
a confusão, todos são cúmplices.
Alfabetizados à base de Aplicativos, Bluetooth e Compartilhamento
Digital, as crianças que nasceram depois de 2005 são a maior evidência
dessa transformação. Bem diferentes de seus pais e irmãos mais velhos,
são incapazes de imaginar o mundo desconectado e têm dificuldade em
diferenciar Deus do Google. Acima de tudo, não entendem o apego de seus
pais a títulos, atitudes, relacionamentos, empregos, instituições e
hierarquias que, para eles, não fazem o menor sentido.
No mundo que vem por aí não há lugar para absolutos. Tudo se torna cada
vez mais relativo, medido por comparações. A ordem foi substituída por
um Caos administrado, cheio de variáveis como um videogame. Originais
foram trocados por pastiches, o coletivo perdeu importância para o
personalizado, a contenção deu lugar ao hedonismo e o comportamento
passivo e coletivo parece ter sido substituído por uma postura ativa,
egocêntrica, insolente. O mundo offline está cada vez mais parecido com
seu equivalente online. A vida continua a imitar a arte.
Sem alarde, a sociedade estática se tornou dinâmica, sujeitando
praticamente todas as regras à experimentação. Não existe mais coisa de
homem, de mulher, de criança ou de velho. A sexualidade se tornou apenas
uma dentre as várias manifestações de uma identidade maleável, que se
adapta a cada ocasião. As antigas correntes de pensamento foram
combinadas em um ecletismo transmídia, em que hipsters meio intelectuais
fazem Yoga em sessões de Pilates, assistem a Missa do Galo, se vestem
de branco e atiram flores para Iemanjá.
Não há mais espaço para rótulos ou categorias. Blogs, Twitter, Facebook,
YouTube e tantos outros não são revoluções: são a válvula de escape
daqueles que, pela primeira vez, passaram a ter voz e influência. A
Primavera Árabe e a ocupação de Wall Street mostram que há interesse em
participação política, mas não da velha forma. Hoje que Direita e
Esquerda fazem parte de um Centrão insosso e desinteressante, a
manifestação social mudou de forma.
A Internet e o Celular aceleraram a transformação, ao eliminarem a
crença no "amanhã" e colocarem todos em um presente contínuo, hermético,
controlado por processos cada vez mais complicados, em que tudo parece
mais próximo e transparente. Marshall McLuhan chamaria esse mundo
pequeno de Aldeia Global, mas vilarejos são ambientes restritos e
limitados, não há aldeia que comporte tantas tribos. Em comunidades
fechadas todos queriam pertencer, hoje a regra é se diferenciar. Não há
mais tempo para rituais e históricos, a identidade passou a ser externa e
baseada em símbolos que mudam rápido. As credenciais são medidas pela
informação consumida e exibida em atualizações em mídias sociais.
A mudança é grande e o trabalho para compreendê-la é exaustivo. Como nem
todos estão dispostos a esse aprendizado, muitos criam rótulos. Chamam a
nova conjuntura de pós-modernidade, de web 2.0, de sociedade do
espetáculo, de realidade líquida. Nenhum desses rótulos consegue
explicá-la a contento.
Vivemos hoje uma espécie de adolescência, fase turbulenta e necessária,
característica de uma mudança de fase. Como a puberdade, não adianta
criticá-la, ignorá-la ou classificá-la. É preciso assimilar suas
mudanças para reconfigurar a forma de se comportar perante o mundo. Caso
contrário a angústia, o estresse e o consumo só aumentarão. E as
respostas não virão.
Feliz ano novo. Na beira do abismo que chamamos de Futuro, nada mais
será como antes. O homem dos próximos séculos será, provavelmente, bem
parecido conosco. Mas falará uma língua intraduzível. Para compreendê-lo
é preciso entender a adolescência das interações. E aproveitar o máximo
dessa fase para se preparar para o que virá pela frente.
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