segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Hora de submeter a Web a um controle de qualidade?

Nos seus dias iniciais, a web foi muitas vezes imaginada como uma espécie de central mundial de troca --uma nova espécie de biblioteca, na qual todo o conhecimento humano estaria permanentemente ao nosso alcance. E isso de fato aconteceu --mas de modo um pouco diferente do previsto: além de podermos tomar emprestados itens de seu imenso acervo, nós, os usuários, também passamos a depositar nela nossos livros, panfletos e outros escritos, com pouco ou nenhum controle de qualidade.
Essa democratização da coleta de informações --quando acompanhada por arranjos institucionais e tecnológicos inteligentes-- foi tremendamente útil, nos dando a Wikipedia e o Twitter. Mas também resultou em milhares de site que solapam o consenso científico, negam fatos estabelecidos e promovem teorias de conspiração. Será que é hora de adotarmos alguma forma de sistema mundial de qualidade para a web?
Pessoas que negam o aquecimento global, se opõem ao relato darwinista da evolução, se recusam a admitir o nexo causal entre o HIV e a Aids, e acreditam que o 11 de Setembro foi obra de norte-americanos fizeram excelente uso da internet. Para começar, a internet os ajudou a localizar e recrutar pessoas afins, e promover eventos e petições favoráveis às suas causas. Além disso, porque porção tão grande de nossa vida pública agora transcorre online, eles passaram a manipular serviços de busca, editar verbetes da Wikipedia, perseguir cientistas que se oponham às teorias que defendam e a reunir migalhas digitais de "provas" que possam apresentar triunfantemente a novos recrutas.
Um artigo publicado na mais recente edição da revista médica "Vaccine" ilumina as práticas de um desses grupos na internet --o movimento mundial de oposição à vacinação, coalizão frouxa entre cientistas renegados, jornalistas, pais e celebridades que acreditam que vacinas possam causar distúrbios como o autismo --alegação completamente desacreditada pela ciência moderna.
Embora o movimento de oposição à vacina não seja novidade --preocupações religiosas quanto à vacinação já existiam no começo do século 18--, as facilidades de publicação autônoma e busca que a internet confere, acompanhadas por uma postura cada vez mais cética quanto ao conhecimento científico, deram estímulo significativo ao movimento antivacinação.
Assim, Jenny McCarthy, atriz norte-americana que se tornou a principal porta-voz pública do movimento de oposição às vacinas, admite abertamente que boa parte de seu conhecimento sobre os males da vacinação provém da "universidade Google". Ela compartilha regularmente de seu "conhecimento" sobre vacinação com os quase 500 mil seguidores de sua conta no Twitter. É um grau de influência on-line com o qual muitos cientistas ganhadores do prêmio Nobel só podem sonhar. Richard Dawkins, talvez o mais famoso cientista em atividade, só tem 300 mil seguidores no Twitter.
O artigo da revista "Vaccine" oferece diversas percepções importantes. Para começar, a oposição às vacinas representa um alvo móvel; quando cientistas derrubam a conexão que os opositores apontam entre o autismo e o mercúrio (presente em algumas vacinas), os ativistas abandonam sua teoria quanto ao mercúrio e em lugar disso apontam para o alumínio. "A Web 2.0 facilitou o debate dessas novas teorias em fóruns públicos antes que seus méritos pudessem ser examinados cientificamente; e quando foram estudadas, nenhuma das teorias conseguiu se sustentar", aponta o artigo.
Segundo, não está claro que os cientistas sejam de fato capazes de "desacreditar" as falsas alegações do movimento: seus simpatizantes encaram com ceticismo o que os cientistas têm a dizer, especialmente porque suspeitam de conexões ocultas entre a academia e as companhias farmacêuticas que fabricam as vacinas. (O que é em si irônico: em 2006, o repórter investigativo britânico Brian Deer revelou que o cientista britânico famoso por "demonstrar" a conexão entre vacinação e autismo em um artigo publicado em 1998 pela revista "Lancete" --e depois retirado-- recebeu generosos pagamentos de advogados que estavam se preparando para processar as companhias farmacêuticas fabricantes de vacinas.)
Em outras palavras, a simples exposição ao consenso científico atual quanto às vacinas não convencerá os oponentes radicais da vacinação. Seu interesse em sustentar a teoria oposta é grande demais; alguns deles oferecem consultoria e palestras pagas sobre os assuntos, e outros simplesmente apreciam a sensação de pertencer a uma comunidade, por mais maluca que seja.
Assim, as tentativas de influenciar comunidades que acreditam em pseudociência e teorias da conspiração por meio da adesão de especialistas independentes (ou, pior, funcionários do governo) --o muito discutido antídoto da "infiltração cognitiva" proposto por Cass Sunstein (hoje diretor do escritório de informação e assuntos regulatórios da Casa Branca) não vai funcionar. Além disso, como demonstra o estudo publicado pela "Vaccine", os blogs e fóruns associados ao movimento antivacinação são censores agressivos, e apagam rapidamente quaisquer comentários que defendam os benefícios das vacinas.
O que fazer, então? Bem, talvez seja hora de aceitar que muitas dessas comunidades não perderão seus integrantes mais dedicados, não importa que provas científicas sejam apresentadas. Portanto, o melhor uso de recursos seria tentar bloquear seu crescimento com esforços para influenciar as novas adesões, e não os atuais membros.
Hoje, qualquer pessoa que realize uma busca com os termos "o aquecimento global é real?", "riscos da vacinação" ou "quem causou o 11 de Setembro?", no Google ou Bing, estará apenas a alguns cliques de distância dessas comunidades. Já que censurar esses serviços de busca não é uma opção atraente, o que poderia ser feito para garantir que os usuários estejam cientes de que as informações pseudocientíficas que podem encontrar não contam com qualquer base científica real?
Não há muitas opções. Uma seria treinar os navegadores de internet a rotular informações suspeitas ou contestadas. Assim, sempre que uma alegação do tipo "vacinação causa autismo" surgir no navegador, viria marcada em vermelho --talvez acompanhada por uma janela pop-up aconselhando o recurso a uma fonte mais confiável. O truque no caso seria desenvolver um banco de dados de alegações contestadas que se enquadrassem ao mais recente consenso da ciência moderna --uma meta desafiadora que projetos como o Dispute Finder já estão encarando.
A segunda opção, não necessariamente incompatível com a primeira, é estimular os serviços de buscas a assumirem maior responsabilidade por seus índices e exercitarem curadoria mais forte quanto à apresentação de resultados para buscas como "aquecimento global" ou "vacinação". O Google já tem uma lista de termos de busca que enviam o maior volume de tráfego aos sites pseudocientíficos e de teorias de conspiração --por que não tratar esses termos de maneira diferente do que trata buscas normais?
Assim, sempre que um usuário receber resultados de busca que possam encaminhá-lo a sites operados por pseudocientistas ou promotores de teorias de conspiração, o Google poderia simplesmente exibir uma grande seção vermelha de alerta convidando o usuário a exercitar a cautela e a recorrer a uma lista de fontes confiáveis previamente verificadas, antes de decidir sua opinião quanto à questão.
Em mais de uma dúzia de países, o Google já faz coisa semelhante para usuários cujas buscas envolvam termos como "maneiras de morrer" ou "pensamentos suicidas". Os resultados incluem uma nota em posição de destaque, em vermelho, aconselhando-os a recorrer a linhas de assistência telefônica para prevenção de suicídio. Pode parecer paternalista, mas é a espécie de paternalismo não intrusivo que pode ajudar a salvar vidas sem interferir nos resultados de busca.
Infelizmente, a recente adesão do Google à busca social --sob a qual os links que uma lista de amigos do usuário compartilham na rede social do Google ganham destaque nos retornos de busca-- faz com quem a companhia avance na direção oposta. Não seria ilógico supor que os adeptos da negação --seja do aquecimento global ou dos benefícios das vacinas- sejam amigos de outras pessoas que ostentam opiniões semelhantes. E isso tornaria ainda mais difícil obter informações que contrariem as posições preestabelecidas. O que é ainda mais motivo para que o Google se arrependa de seus pecados e garanta que os temas dominados pela pseudociência e teorias de conspiração sejam tratados de maneira socialmente responsável.

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