A era digital deu origem a um costume mais íntimo. Tornou-se moda entre jovens expressar afeto pela revelação de senhas de e-mail, Facebook e outras contas. Namorados e namoradas muitas vezes usam senhas idênticas e permitem acesso mútuo às suas mensagens e textos pessoais.
Eles dizem saber que esse tipo de envolvimento acarreta riscos, porque um relacionamento que se deteriore pode levar uma pessoa a usar os segredos da outra para prejudicá-la. Mas isso, dizem, é parte do que torna tão poderoso o simbolismo da senha compartilhada.
A universitária Alexandra Radford, 20, compartilhou senhas com um namorado quando estava no colegial |
"Ah, que bonitinho", diz Cherry Ng, 16, ao ouvir a declaração da amiga a um repórter diante de sua escola, em San Francisco. "Eles realmente confiam um no outro."
Caradang, 17, confirma. "Tenho certeza de que ele não faria coisa alguma que pudesse prejudicar a minha reputação."
Mas as coisas nem sempre terminam tão bem, claro. Mudar uma senha é simples, mas estudantes, conselheiros educacionais e pais dizem que o estrago muitas vezes acontece antes que a senha seja mudada,e que o compartilhamento tão estreito de uma vida on-line pode até causar o fracasso de um relacionamento.
As histórias negativas sobre a prática incluem a de um namorado abandonado que aproveitou o acesso ao e-mail de sua ex-namorada para contar seus segredos e humilhá-la em público, tensões entre namorados em função de mensagens reviradas à procura de sinais de deslealdade ou infidelidade, ou uso do celular de um amigo do qual a pessoa conhece a senha para enviar mensagens de texto ameaçadoras a terceiros.
A escritora Rosalind Wiseman, que estuda as formas de uso da tecnologia pelos adolescentes, diz que a pressão pelo compartilhamento de senhas é semelhante à pressão por sexo. "A atitude é a mesma: se estamos em um relacionamento, você deveria me dar tudo", diz Wiseman.
Em 2011, uma pesquisa do instituto Pew constatou que 30% dos adolescentes que usavam a internet regularmente tinham revelado suas senhas a amigos, namorados ou namoradas. O estudo, com 770 adolescentes entre 12 e 17 anos, constatou que a probabilidade de uma menina revelar sua senha é quase duas vezes maior do que a de um menino fazê-lo. E em mais de duas dúzias de entrevistas com pais, estudantes e conselheiros, foi possível constatar que a prática é bastante comum.
Em um recente artigo para o site de tecnologia Gizmodo, o editor Sam Biddle classificou a revelação de senhas como um dos marcos da intimidade do século 21 e ofereceu conselhos a casais e amigos para que evitem percalços da prática.
"Conheci muitos casais cujas senhas foram compartilhadas, e nenhum deles não se arrepende de tê-lo feito", disse Biddle em entrevista, acrescentando que a prática inclui uma ameaça latente de destruição mútua caso um dos dois se comporte mal. "É o tipo de simbolismo que sempre termina em encrenca."
Estudantes pedem para um amigo alterar a senha do Facebook e só revelar a nova combinação após os exames |
Os estudantes dizem que existem motivos, além da demonstração de
confiança, para a revelação mútua de senhas on-line. Por exemplo,
diversos universitários revelaram que sabiam as senhas de Facebook de
amigos, e que estes sabiam as suas --não com o objetivo de espionar ou
fiscalizar o comportamento alheio, mas como forma de estimular mais
estudo na época dos exames. O universitário revela a senha a um amigo
para que este a altere e só revele a senha nova depois dos exames,
bloqueando o acesso do estudante à sua conta do Facebook e removendo uma
grande fonte de distração.
Alexandra Radford, 20, aluna da Universidade do Estado de San Francisco, disse que adotou a prática diversas vezes, com um grupo de amigos, em períodos de exames. Uma das amigas insistiu em saber a senha nova antes do final dos exames, mas Radford se manteve firme. "Depois dos exames, eu lhe dei a senha nova", conta. "E ela me agradeceu muito. Sabia que eu tinha feito o certo ao não revelar a senha nova." Mas Radford não demonstra igual entusiasmo quanto às senhas que revelou a um namorado em sua época de segundo grau. Os dois chegaram a mudar suas senhas para refletir o namoro. A dela passou a ser ILoveKevin, e a dele, ILoveAly. "Nós decidimos fazê-lo para podermos ler as mensagens um do outro, porque eu não confiava nele, o que não era nada saudável", ela admite. Os conselheiros escolares costumam alertar contra a prática, e muitos pais dizem aos filhos que é mais sensato manter a privacidade de suas senhas. Winifred Lender, psicóloga infantil em Santa Barbara, redigiu "contratos digitais" que seus três filhos tiveram de assinar, impondo limites ao consumo de mídia e ao comportamento on-line e vetando a revelação de senhas. Ainda assim, ela conta que uma amiga de seu filho de 14 anos recentemente pediu que ele revelasse sua senha. "Ele respondeu que revelaria sua senha depois que ela revelasse a dela", disse Lender. Emily Cole, 16, de Glastonbury, Connecticut, sentiu o quanto dói ter a confiança traída quando estava na sétima série e revelou sua senha ao seu primeiro namorado. Depois, ela começou a gostar de outra aluna e enviou um e-mail a ela. O namorado leu o e-mail e começou a espalhar boatos pela escola, chamando-a de "pervertida". Cole disse que ficou muito magoada. Mas, a despeito do ocorrido, disse que não hesitaria em revelar sua senha ao novo namorado. "Sei que parece estranho, mas nosso relacionamento é diferente", diz. "Não estamos na sétima série. Confio nele de modo diferente, suponho." |
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