quarta-feira, 26 de outubro de 2011

BlizzCon 2011: Melhores amigos, na fantasia e na realidade

Mais de 26 mil pessoas, dos 50 Estados norte-americanos e de outros 49 países, chegaram a Anaheim na semana passada para a BlizzCon, o evento anual promovido pela Blizzard Entertainment, talvez a mais reverenciada das produtoras mundiais de videogames, como celebração dela mesma.
Mas o momento mais importante, aquele que iluminou a paixão que une os adeptos dos jogos on-line em comunidades mundiais que muitas vezes saltam dos pixels para a realidade, não aconteceu no imenso e lotado salão de exposições.
Não foi o anúncio da Blizzard sobre a nova expansão de seu mais conhecido produto, o World of Warcraft. Não foi o duelo, acompanhado por milhares de espectadores, entre os dois melhores jogadores de StarCraft II, o jogo estratégico de ficção científica da Blizzard, em disputa por um prêmio de US$ 50 mil. E não foram os concursos de dança e fantasias apresentados pelo comediante Jay Mohr ou o show de encerramento do Foo Fighters.
Jay Mohr anuncia um dos vencedores de concurso da BlizzCon 2011; clique para ver galeria do evento
O momento na verdade veio depois do encerramento oficial do evento, na noite de sábado. No saguão de um hotel vizinho, pelo menos mil fãs agitados participavam de um momento que lembrava a noite final em um acampamento de férias, quando ninguém parece querer se despedir e voltar para casa.
Não eram apenas os fãs que praticamente flutuavam pelo saguão. Mike Morhaime, presidente-executivo e cofundador da companhia, estava presente, posando para uma foto com uma moça --sumariamente-- fantasiada de elfo. Frank Pearce, outro dos cofundadores, também se movimentava entre os grupos de fãs, entusiasmado.
Outros produtores e designers disputavam espaço no bar. Não era como na Broadway ou Hollywood; não havia guarda-costas ou assistentes de produção equipados com fones de ouvido para cuidar dos astros. O que havia ali era uma festa repleta de pessoas que amam os videogames, e os amigos que elas criaram por conta deles. Era difícil determinar qual dos dois contingentes estava realmente se divertindo mais: os executivos ou os fãs.
ESNOBANDO A E3
A Blizzard, que desenvolveu junto aos seus seguidores lealdade que lembra o relacionamento entre a Apple e seus fãs, é a única produtora de jogos que organiza um evento desses sozinha. Quase todas as demais grandes produtoras de videogames participam com força da E3, a feira setorial anual em Los Angeles.
Mas, nos últimos anos, a Blizzard nem mesmo participou da E3. Sua popularidade basta para que seja mais prático para a empresa organizar uma convenção separada. Os ingressos custavam US$ 175, este ano, e uma vez mais se esgotaram em segundos.
Existem algumas pessoas que consideram os videogames uma atividade antissocial. E é fato que os jogos individuais não envolvem interação com outras pessoas --ainda que o mesmo possa ser afirmado sobre a leitura de um livro. Mas os mais poderosos e importantes jogos são aqueles que oferecem dimensões on-line persistentes, como o World of Warcraft e Eve Online. E sua importância se deve não exatamente aos jogos, mas aos relacionamentos que os jogadores formam por conta deles.
Assim, o que realmente parece atrair tantos jogadores à BlizzCon não é a oportunidade de ver versões iniciais de jogos em desenvolvimento como Diablo III e a expansão de World of Warcraft, Mists of Pandaria. E tampouco os torneios ou as mesas redondas. A atração real é a oportunidade de encontrar os amigos em pessoa.
Público da Blizzcon joga World of Warcraft; clique para ver galeria do evento
No bar do hotel vizinho, quinta-feira à tarde, Mark Virnich, 26, de Baton Rouge, Louisiana, estava à espera dos demais membros da Shining Force, sua guilda no World of Warcraft. Ele contou que joga com esse grupo desde 2004, e que continuou a fazê-lo em duas temporadas de serviço com o exército no Iraque, mas que jamais havia encontrado os integrantes do grupo em pessoa.
"Nós sempre falávamos em vir, durante anos, e eu por fim voltei do Iraque e disse que desta vez viria", disse. "Temos pessoas vindo do Nebraska, Ohio, Virgínia Ocidental, Texas. Aliás, mais de um casal se conheceu via guilda e terminou casado".
Ele acenou na direção do centro de convenções, onde milhares de pessoas formavam fila para apanhar seus crachás antes da abertura oficial, na manhã do dia seguinte.
"É uma experiência definitivamente catártica, estar em companhia de tanta gente que ama aquilo que você ama", disse Virnich. "O que faz com que as pessoas continuem a jogar esse tipo de jogo é a comunidade, e para nós, a oportunidade de um encontro em pessoa foi maravilhosa".
Os maiores astros no saguão do hotel depois do encerramento da BlizzCon parecem ser os membros da Blood Legion, uma guilda de World of Warcraft. Mais cedo, a guilda havia derrotado publicamente um outro grupo, chamado Vodka, em uma corrida ao vivo realizada diante de milhares de fãs, pela oportunidade de matar Ragnaros, o deus do fogo e maior ameaça ao mundo de World of Warcraft.
Com a vitória, as poucas dezenas de membros da Blood Legion se tornaram celebridades instantâneas entre os mais de 11 milhões de pessoas que jogam World of Warcraft.
"É maravilhoso ver tudo pelo que você trabalhou durante tanto tempo enfim recebendo um reconhecimento dessa ordem", disse Victor Traitel, 32, fundador da guilda e conhecido on-line pelo seu personagem, Aries, um guerreiro goblin. Traitel, que é atacadista de roupas em Atlanta, comparou o trabalho em equipe necessário para jogar World of Warcraft de maneira competitiva à sua experiência nas forças armadas.
"Ei, é só um videogame, mas aquela sensação de trabalhar unidos por um objetivo comum, confiar nos outros, desenvolver relacionamentos e superar obstáculos é bastante real", disse. "Servi no Corpo de Fuzileiros Navais, e só lá encontrei camaradagem da mesma ordem".
Enquanto Traitel falava, outros jogadores cercavam o grupo da Blood Legion para lhes oferecer congratulações.
Miniatura do universo de World of Warcraft, na Blizzcon; clique para ver galeria do evento

COMO FUTEBOL AMERICANO E BASQUETE
Mas apesar de toda a popularidade da guilda, o momento de competição mais intenso da BlizzCon foi o torneio de StarCraft II. Na Coreia do Sul, os melhores jogadores de StarCraft são tão famosos que mal conseguem sair de seus locais de treinamento coletivo sem a proteção de seguranças. Mesmo nos Estados Unidos, StarCraft começa a atrair fãs como Jonathan Luckau, 28, assistente social em Salt Lake City para quem a BlizzCon se compara a um evento esportivo.
"Para nós, o entusiasmo pelos esportes eletrônicos é igual ao entusiasmo pelo futebol americano ou basquete", disse.
"Acompanho os melhores jogadores de StarCraft da mesma maneira que outras pessoas acompanham LeBron James ou Kobe Bryant. O que atrai na BlizzCon é a oportunidade de encontrar as pessoas que compartilham desse interesse. Por exemplo, se você disser que passou nove horas assistindo a partidas de futebol americano, todo mundo acha ótimo, mas se contar que assistiu a 20 jogos de StarCraft ninguém entende. No entanto, somos uma comunidade em expansão, e não vamos parar de crescer."
Cabe registrar que Jonghyun Jung, conhecido como IMMVP, conquistou no título do StarCraft depois de uma épica batalha final de 43 minutos de duração contra Jaeduk Lim, também conhecido como IMNesTea.
Para os criadores de jogos, um evento como a BlizzCon é uma das poucas oportunidades de testemunhar na realidade o que normalmente só veem em salas de chat e em fóruns de mensagens. A Blizzard, sediada em Irvine, uma cidade próxima, em geral trabalha sob forte sigilo.
"As pessoas não percebem que, de muitas maneiras, esse evento é tão importante para nós quanto para os fãs", disse Rob Pardo, vice-presidente de design de jogos da Blizzard. "Se transferíssemos a BlizzCon para Los Angeles ou algum centro desse porte, ela poderia crescer muito, mas isso dificultaria a presença dos funcionários da Blizzard, e queremos que eles possam vivenciar a paixão dos fãs".
No saguão do hotel, Hubert Thieblot, fundador e presidente da Curse, uma companhia que organiza comunidades para jogos on-line, contemplou a multidão de jogadores e programadores. "Para o pessoal mais envolvido nessa atividade, ela é muito mais do que um jogo", disse. "É um estilo de vida. É parte daquilo que são. E a convenção celebra esse fato".

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