Atrás apenas do Irã em nível de censura da internet, segundo
levantamento do OpenNet Iniative - projeto conduzido por pesquisadores
de três das mais respeitadas universidades do mundo -- a China não dá
sinais de relaxar o controle sobre a informação que circula pela
internet no país.
Para poder navegar pela rede, os mais de 500 milhões de usuários
chineses têm que lidar com inúmeras restrições e controle do governo ou
apostar em soluções criativas como o uso de servidores intermediários ou
sub-redes privadas.
O programa de monitoramento estatal, batizado de Great Firewall (nome
que faz dupla alusão à Grande Muralha da China e a programas de proteção
contra ação de hackers), impede o acesso a sites de grande popularidade
no resto do mundo. Atualmente, cerca de 3,5 mil websites são bloqueados
na China.
Desde março, 42 sites foram fechados e 210 mil posts removidos da
blogosfera, conforme anunciou recentemente Liu Zhengrong, funcionário do
Bureau de Informação e Internet do Estado.
Endereços online com mais de cem mil seguidores são verificados post a post, e submetidos à censura personalizada.
Pelo grande potencial de causar amplo impacto na comunidade, os sites
especializados em mídia social como YouTube, Google+, Twitter e
Facebook, estão na mira do governo chinês.
Duncan Clark, presidente da consultoria BD China, baseada em Pequim, diz
que a censura contagia todo o ambiente de internet no país. "O governo
limita o acesso aos provedores locais pois sabe que pode contar com a
autocensura que estes websites adotam para sobreviver. É uma questão de
controle. As autoridades querem manter sob rigoroso controle o conteúdo
que circula pela internet", afirma Clark.
SITE NÃO ENCONTRADO
Para exercer esse controle de modo eficaz, o Great Firewall canaliza o
tráfego de internet no país por pequenas redes que se encarregam de
disponibilizar o conteúdo para o usuário final facilitando o
monitoramento.
Quem tenta acessar um endereço de internet que esteja na lista negra do
governo recebe uma mensagem de erro dizendo que "o site não foi
encontrado".
Os internautas que usam em suas pesquisas palavras-chave consideradas
inadequadas pelo governo correm o risco de ter sua conexão cancelada.
Posts feitos nos sites de mídia social que contenham palavras banidas
são apagados logo após a publicação.
Mas a Muralha de Fogo não é infalível, como explica Jeremy Goldkorn,
especialista em internet que acompanha a situação na China desde 2003.
"Os chineses lutam há muito tempo contra o bloqueio parcial, e quanto
maior ele é, mais os internautas arrumam um jeito de fugir do
monitoramento", diz Goldkorn.
Para evitar as limitações eles se utilizam de proxies - computadores ou
redes intermediárias - para navegar além da barreira, driblando os
bloqueios impostos às pesquisas.
Goldkon acrescenta que a censura do governo chinês acaba tendo
consequência maiores: "Não só os jovens têm dificuldade em ter acesso a
opiniões diferentes das que são passadas pelos sistemas de ensino, mas
as próprias empresas de internet têm menos chances de globalizar seus
serviços."
VPNs
Segundo a GreatFire.org, uma organização que monitora websites, o uso de
VPNs (Virtual Private Network, ou Rede Virtual Privada) é fundamental
para quem quer navegar além da Muralha de Fogo.
"É virtualmente impossível trabalhar na China sem uma VPN", diz Lijia
Zhang, jornalista chinesa que colabora com jornais estrangeiros como o
The New York Times e autora do livro de memórias A garota da fábrica de
mísseis.
As chamadas VPNs são sub-privadas de computadores que se valem da
conexão de internet para interligar pessoas e serviços, utilizando
códigos encriptados. Com isso criam "internets" dentro da internet.
Controlada pelo Departamento de Propaganda, a internet chinesa não dá liberdade plena nem a órgãos governamentais.
A própria agência de notícias estatal, Xinhua, foi censurada ao postar
no microblog Sina Weibo - o equivalente chinês do Twitter - informação
sobre o escândalo político recente envolvendo a mulher de Bo Xilai, que
até pouco antes do incidente era um dos principais líderes do partido
comunista chinês.
O Weibo se vale do bloqueio do Twitter na China e já conta com 300
milhões de usuários. O site nasceu no país com a missão de restabelecer
uma plataforma para debate público, mas é visto hoje com ceticismo, como
mais uma ferramenta de controle e monitoramento.
ALTERNATIVAS
A juventude chinesa se defende como pode. O perfil @qlink do Sina Weibo
pertence a uma empresa de VPN e tem, no microblog, mais de 10 mil
seguidores, promovendo discussões de usuários sobre os melhores serviços
vendidos no país que permitem acesso aos websites bloqueados.
"Eu usei, nos primeiros anos, serviços de VPN gratuitos. Mas como uso
muito, passei a utilizar os americanos, que são melhores", diz Winston
Ling, empresário brasileiro que está em Xangai desde 2002.
De acordo com Ling, a falta de liberdade na internet não atrapalha os
negócios, mas sim a vida social. "A gente mora longe, quer estar
conectado, não quer ficar deslocado".
Outras opções são a navegação por websites encriptados (que começam com
httpS), que não permitem o rastreamento pela Grande Muralha de Fogo.
Usuários trocam informações sobre os endereços de IP que podem ser usados sem serem interceptados pelo governo.
GENÉRICOS
Sites de jornais internacionais e pesquisa em lugares como Wikipedia são
liberados no país. Muitos desses websites optaram por investir em
versões chinesas de seus portais para não perder o mercado local, que
cresce exponencialmente.
Mas reportagens e pesquisas que contenham dados sensíveis, como "Praça
da Paz Celestial", "Liberdade" e referências ao artista plástico
dissidente Ai Weiwei, uma vez acessadas causam a queda da conexão.
"É possível acessar, mas é só pesquisar qualquer coisa como 1989 (ano da
revolta estudantil reprimida com violência pelo governo) e a conexão
cai, a página não carrega", relata o chileno Álvaro Etchegaray,
mestrando da Universidade de Tsinghua. "Não poder pagar um VPN seria um
pesadelo para os meus estudos."
Na China, país conhecido pela habilidade de reprodução de originais de
marcas famosas, as versões nacionais de redes estrangeiras bloqueadas
imperam.
O buscador Baidu é a versão chinesa do Google. O site tinha mais da
metade do mercado antes mesmo de a empresa Google se instalar em Hong
Kong. Com o bloqueio imposto ao buscador Google na China continental, o
Baidu prosperou e se tornou o quinto website mais visitado no mundo e o
mais visitado na China, conforme a consultoria especializada em internet
Alexa.
O Renren é a versão mandarim do Facebook. Dos 500 milhões de usuários de
internet existentes na China, o Renren tem apenas 30 milhões de perfis
ativos. Mesmo bloqueado, o Facebook é o 403° site mais acessado na
China, segundo a Alexa.
"Eu tenho um perfil no Facebook, mas depois que foi bloqueado, nunca
mais voltei a usar", conta Peng Bo, designer de 33 anos. Ele fez a
migração completa de seus contatos para o Renren: "A maioria dos meus
amigos fez a mesma coisa."
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