sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

iPads e Kindles afastam jornais mais ainda do formato impresso

De acordo com estimativas de analistas, 1 milhão de iPads e Kindles podem ter sido dados de presente de Natal. É um fluxo de tecnologia portátil que, segundo as previsões, deve acelerar o declínio nas vendas já enfraquecidas dos jornais impressos, intensificando a pressão sobre os modelos comerciais que tradicionalmente sustentaram tantos títulos no Reino Unido.
Preparando-se para a chegada dos aparelhos portáteis, os publishers romperam com uma tradição que data de 1912, ano em que concordaram em não produzir jornais no dia de Natal, visando garantir um dia de folga aos jornaleiros, entre outros.
Pela primeira vez em seus 190 anos de história, o "Sunday Times" publicou uma edição (exclusivamente digital) em 25 de dezembro. O produto, que normalmente é pago, foi difundido gratuitamente, na esperança de atrair os muito procurados assinantes digitais.
A publicação de jornais no dia 26 de dezembro (que é feriado no Reino Unido), no caso de diários como "The Guardian", também já virou uma necessidade --para garantir edições digitais para serem lidas pelos novos proprietários de Kindles e iPads.
O resultado é que um período que tradicionalmente era calmo para os jornais virou um momento crítico para exibir trabalhos novos, isso em uma época em que o setor dos jornais, já atingido pelo escândalo dos grampos telefônicos e já alvo de atenção judicial, enfrenta o que poderia ser descrito como uma crise existencial.
Cinquenta anos atrás, dois jornais diários nacionais --"The Daily Mirror" e "The Daily Express"-- vendiam mais de 4 milhões de exemplares cada; hoje o "Sun", o jornal de maior circulação no país, vende 2,6 milhões de exemplares.
No ano passado, apenas as vendas impressas dos jornais diários de formato grande tiveram queda de 10%, e as dos tablóides diários, 5% --e, quando o "News of the World" saiu de circulação, em julho passado, 600 mil exemplares diários simplesmente deixaram de sair.
IMPULSO
O impacto dessa queda vem servindo de impulso aos aparelhos de leitura digital, com os quais jornais como o "Daily Mail" ganharam 5 milhões de visitantes diferentes por dia --a título de comparação, o jornal vende 2 milhões de cópias impressas diárias--, mas estão tendo dificuldade em gerar receitas proporcionais. O "Mail" gerou 16 milhões de libras com seu site em 2010, enquanto sua receita total foi de 608 milhões de libras.
Alguns títulos especializados, como o "Financial Times", vêm administrando bem a transição --o "FT" tem 260 mil assinantes digitais, um aumento de 40% no ano, contra 337 mil compradores do produto impresso, cujas vendas caíram 12% no ano. Os assinantes digitais geram 180 milhões de libras, e o jornal, cujos exemplares custam 2,50 libras nas bancas nos dias úteis, é rentável.
John Ridding, seu diretor executivo, diz que 30% da receita do "FT" vem das vendas digitais, e que "dentro de dois ou três anos" os leitores e as receitas digitais vão superar os do jornal impresso. Numa semana normal, o número de pessoas que fazem assinaturas digitais do jornal é "cinco a dez vezes" o que era um ano atrás, e o jornal se prepara para um futuro não impresso.
Outros jornais, entretanto, estão sob pressão. Os jornais locais vêm sendo especialmente atingidos; 31 títulos foram fechados no último ano. A maioria dos que vêm sendo fechados é formada por jornais gratuitos; foram perdidos títulos distribuídos em Yeovil, Scarborough e Harlow.
CURADORES MULTIMÍDIA
Títulos pagos e históricos estão tendo sua frequência reduzida: o "Liverpool Daily Post" deve passar a circular semanalmente em 2012, depois de suas vendas terem caído para meros 6.500 exemplares. Mas seu site na internet será atualizado em tempo real. A mesma coisa vem acontecendo nos últimos anos com jornais diários de Birmingham e Bath. Os lucros brutos da Johnston Press, proprietária do "Scotsman" e do "Yorkshire Post", caíram de 131,5 milhões de libras cinco anos atrás para 16 milhões em 2010.
Roger Parry, presidente da Johnson Press desde 2009, acha que a festa acabou há vários anos, desde que o Craigslist e o Google começaram a roubar receita publicitária da imprensa local.
"Acho que o futuro será de empresas multimídia locais que busquem fazer com que mais de 50% dos lares em suas áreas façam algum tipo de assinatura", diz ele. "É assim na Escandinávia." Os jornalistas, "ao invés de serem redatores de textos impressos, terão que passar a atuar como curadores multimídia. Haverá mais conteúdos criados por pessoas locais. O Sindicato Nacional de Jornalistas vai odiar isso, mas é inevitável."
Com o secretário da Cultura, Jeremy Hunt, querendo licenciar emissoras de TV locais em 20 cidades, as mídias locais terão uma maneira nova de alcançar as plateias, embora algumas --como a Witney TV, de Oxfordshire-- já tenham começado a oferecer notícias locais diárias em vídeo.
O premiê David Cameron aparece regularmente nela, em sua condição de deputado local, mas as pessoas que trabalham no site o fazem como voluntárias, e o conteúdo do site é limitado, ressaltando as dificuldades da economia digital.
A mídia nacional também sente as pressões econômicas. Embora a mídia tabloide tenha sido criticada no inquérito Leveson (que investiga o escândalo das escutas telefônicas da News International), também por pessoas como Hugh Grant e Steve Coogan, vários títulos muito lidos estão longe de gozarem de boa saúde comercial.
Os jornais nacionais da Trinity Mirror --"Daily Mirror", "Sunday Mirror", "The People" e os títulos "The Record" na Escócia-- lucraram cerca de 70 milhões de libras em 2011, contra 86 milhões no ano anterior. A margem de lucro do "Daily Mail" é de aproximadamente 10%.
Para a imprensa popular, o desafio consiste em conservar as vendas impressas --mas as pressões financeiras são agudas em outros setores. Três dos jornais tradicionais de formato grande --"The Independent", "The Times" e "The Guardian"-- estão perdendo dinheiro, em um mercado em que cinco títulos disputam 1,3 milhão de compradores de jornais impressos.
VIA FACEBOOK
É provável que seus leitores também façam a transição para o digital, deixando os jornais sem outra opção senão aderir a novas formas de reportagem, como o blog ao vivo, e difundir conteúdo em núcleos digitais como o Facebook.
O "Guardian" pode gerar 40 milhões de libras em receitas digitais de seus produtos, em grande medida gratuitos, mas parte dessa receita vem de seus sites de namoro. Os títulos do "Times" optaram por um modelo de assinatura por preço baixo, que até agora atraiu 111 mil assinantes, mas gera apenas 11 milhões de libras por ano, sendo seu orçamento digital estimado em 100 milhões de libras.
Alguns analistas, como Paul Zwillenberg, do Boston Consulting Group, dizem que os jornais sérios "terão que enxugar seu produto, porque haverá um pool menor de receita e lucros".
Ele admite, no entanto, que os jornais podem aumentar suas chances de êxito se buscarem modificar seus modelos econômicos. O resultado, porém, é que um setor antes composto por um só modelo econômico --um produto impresso, vendido em bancas-- está se dividindo em tipos muito diferentes de empresas de conteúdo principalmente digital.

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