De acordo com estimativas de analistas, 1 milhão de iPads e Kindles
podem ter sido dados de presente de Natal. É um fluxo de tecnologia
portátil que, segundo as previsões, deve acelerar o declínio nas vendas
já enfraquecidas dos jornais impressos, intensificando a pressão sobre
os modelos comerciais que tradicionalmente sustentaram tantos títulos no
Reino Unido.
Preparando-se para a chegada dos aparelhos portáteis, os publishers
romperam com uma tradição que data de 1912, ano em que concordaram em
não produzir jornais no dia de Natal, visando garantir um dia de folga
aos jornaleiros, entre outros.
Pela primeira vez em seus 190 anos de história, o "Sunday Times"
publicou uma edição (exclusivamente digital) em 25 de dezembro. O
produto, que normalmente é pago, foi difundido gratuitamente, na
esperança de atrair os muito procurados assinantes digitais.
A publicação de jornais no dia 26 de dezembro (que é feriado no Reino
Unido), no caso de diários como "The Guardian", também já virou uma
necessidade --para garantir edições digitais para serem lidas pelos
novos proprietários de Kindles e iPads.
O resultado é que um período que tradicionalmente era calmo para os
jornais virou um momento crítico para exibir trabalhos novos, isso em
uma época em que o setor dos jornais, já atingido pelo escândalo dos
grampos telefônicos e já alvo de atenção judicial, enfrenta o que
poderia ser descrito como uma crise existencial.
Cinquenta anos atrás, dois jornais diários nacionais --"The Daily
Mirror" e "The Daily Express"-- vendiam mais de 4 milhões de exemplares
cada; hoje o "Sun", o jornal de maior circulação no país, vende 2,6
milhões de exemplares.
No ano passado, apenas as vendas impressas dos jornais diários de
formato grande tiveram queda de 10%, e as dos tablóides diários, 5% --e,
quando o "News of the World" saiu de circulação, em julho passado, 600
mil exemplares diários simplesmente deixaram de sair.
IMPULSO
O impacto dessa queda vem servindo de impulso aos aparelhos de leitura
digital, com os quais jornais como o "Daily Mail" ganharam 5 milhões de
visitantes diferentes por dia --a título de comparação, o jornal vende 2
milhões de cópias impressas diárias--, mas estão tendo dificuldade em
gerar receitas proporcionais. O "Mail" gerou 16 milhões de libras com
seu site em 2010, enquanto sua receita total foi de 608 milhões de
libras.
Alguns títulos especializados, como o "Financial Times", vêm
administrando bem a transição --o "FT" tem 260 mil assinantes digitais,
um aumento de 40% no ano, contra 337 mil compradores do produto
impresso, cujas vendas caíram 12% no ano. Os assinantes digitais geram
180 milhões de libras, e o jornal, cujos exemplares custam 2,50 libras
nas bancas nos dias úteis, é rentável.
John Ridding, seu diretor executivo, diz que 30% da receita do "FT" vem
das vendas digitais, e que "dentro de dois ou três anos" os leitores e
as receitas digitais vão superar os do jornal impresso. Numa semana
normal, o número de pessoas que fazem assinaturas digitais do jornal é
"cinco a dez vezes" o que era um ano atrás, e o jornal se prepara para
um futuro não impresso.
Outros jornais, entretanto, estão sob pressão. Os jornais locais vêm
sendo especialmente atingidos; 31 títulos foram fechados no último ano. A
maioria dos que vêm sendo fechados é formada por jornais gratuitos;
foram perdidos títulos distribuídos em Yeovil, Scarborough e Harlow.
CURADORES MULTIMÍDIA
Títulos pagos e históricos estão tendo sua frequência reduzida: o
"Liverpool Daily Post" deve passar a circular semanalmente em 2012,
depois de suas vendas terem caído para meros 6.500 exemplares. Mas seu
site na internet será atualizado em tempo real. A mesma coisa vem
acontecendo nos últimos anos com jornais diários de Birmingham e Bath.
Os lucros brutos da Johnston Press, proprietária do "Scotsman" e do
"Yorkshire Post", caíram de 131,5 milhões de libras cinco anos atrás
para 16 milhões em 2010.
Roger Parry, presidente da Johnson Press desde 2009, acha que a festa
acabou há vários anos, desde que o Craigslist e o Google começaram a
roubar receita publicitária da imprensa local.
"Acho que o futuro será de empresas multimídia locais que busquem fazer
com que mais de 50% dos lares em suas áreas façam algum tipo de
assinatura", diz ele. "É assim na Escandinávia." Os jornalistas, "ao
invés de serem redatores de textos impressos, terão que passar a atuar
como curadores multimídia. Haverá mais conteúdos criados por pessoas
locais. O Sindicato Nacional de Jornalistas vai odiar isso, mas é
inevitável."
Com o secretário da Cultura, Jeremy Hunt, querendo licenciar emissoras
de TV locais em 20 cidades, as mídias locais terão uma maneira nova de
alcançar as plateias, embora algumas --como a Witney TV, de
Oxfordshire-- já tenham começado a oferecer notícias locais diárias em
vídeo.
O premiê David Cameron aparece regularmente nela, em sua condição de
deputado local, mas as pessoas que trabalham no site o fazem como
voluntárias, e o conteúdo do site é limitado, ressaltando as
dificuldades da economia digital.
A mídia nacional também sente as pressões econômicas. Embora a mídia
tabloide tenha sido criticada no inquérito Leveson (que investiga o
escândalo das escutas telefônicas da News International), também por
pessoas como Hugh Grant e Steve Coogan, vários títulos muito lidos estão
longe de gozarem de boa saúde comercial.
Os jornais nacionais da Trinity Mirror --"Daily Mirror", "Sunday
Mirror", "The People" e os títulos "The Record" na Escócia-- lucraram
cerca de 70 milhões de libras em 2011, contra 86 milhões no ano
anterior. A margem de lucro do "Daily Mail" é de aproximadamente 10%.
Para a imprensa popular, o desafio consiste em conservar as vendas
impressas --mas as pressões financeiras são agudas em outros setores.
Três dos jornais tradicionais de formato grande --"The Independent",
"The Times" e "The Guardian"-- estão perdendo dinheiro, em um mercado em
que cinco títulos disputam 1,3 milhão de compradores de jornais
impressos.
VIA FACEBOOK
É provável que seus leitores também façam a transição para o digital,
deixando os jornais sem outra opção senão aderir a novas formas de
reportagem, como o blog ao vivo, e difundir conteúdo em núcleos digitais
como o Facebook.
O "Guardian" pode gerar 40 milhões de libras em receitas digitais de
seus produtos, em grande medida gratuitos, mas parte dessa receita vem
de seus sites de namoro. Os títulos do "Times" optaram por um modelo de
assinatura por preço baixo, que até agora atraiu 111 mil assinantes, mas
gera apenas 11 milhões de libras por ano, sendo seu orçamento digital
estimado em 100 milhões de libras.
Alguns analistas, como Paul Zwillenberg, do Boston Consulting Group,
dizem que os jornais sérios "terão que enxugar seu produto, porque
haverá um pool menor de receita e lucros".
Ele admite, no entanto, que os jornais podem aumentar suas chances de
êxito se buscarem modificar seus modelos econômicos. O resultado, porém,
é que um setor antes composto por um só modelo econômico --um produto
impresso, vendido em bancas-- está se dividindo em tipos muito
diferentes de empresas de conteúdo principalmente digital.
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