terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Enxutas, empresas do Vale do Silício exploram novos campos

Lee Redden, 26 anos, doutorando em engenharia em Stanford, decidiu dar um tempo nos estudos e ajudou a fundar uma empresa start-up. Suas habilidades se concentram em dois nichos efervescentes da inteligência artificial: visão computadorizada e aprendizagem automática. Só que ele não está aplicando seus talentos em busca na internet, comércio on-line ou vigilância inteligente.
As ambições de Redden estão mais distantes --em fazendas, na verdade. Sua empresa, a Blue River Technology, está desenvolvendo um matador robótico de ervas daninhas para agricultura orgânica, para evitar pesticidas químicos. Segundo ele, o novo empreendimento é "uma forma excelente de levar essa tecnologia para a agricultura".
A start-up está ligada ao mais recente estágio de evolução do Vale do Silício, o epicentro mundial da inovação. Ao longo dos anos, a região demonstrou uma destreza econômica sem paralelos ao saltar de um segmento com oportunidades para outro, de eletrônicos militares a wafers de silício, de computadores pessoais à internet.
Fred Ford, Jorge Heraud e Lee Redden, da start-up Blue River Technology, trabalham em um robô para fazendas
 Porém, o negócio do Vale hoje em dia tem menos a ver em se concentrar numa indústria em particular e mais com um processo contínuo de inovação tecnológica, sobre uma ampla gama de campos. A tendência reflete a marcha constante da mais versátil das tecnologias --a computação-- à medida que ela abre novas linhas de frente em todas as disciplinas científicas e indústrias. Tecnologia limpa, bioengenharia, diagnóstico médico, tratamento preventivo de saúde, transporte e até agricultura fazem parte do mix hoje em dia para os tecnólogos e empreendedores do Vale.
O ritmo das descobertas se acelerou, não apenas para as tecnologias como também para o processo de descobrir que empresas terão sucesso.
"A diferença no Vale é encontrar um método quase científico de reinventar empresas e indústrias, não apenas produtos", disse Randy Komisar, sócio de uma das principais empresas de capital de risco, a Kleiner Perkins Caufield & Byers, e professor-assistente de empreendedorismo na Universidade Stanford. "A abordagem é muito mais sistemática do que há muitos anos."
O novo modelo para abrir empresas se baseia em hipóteses, experimentos e testes de mercado, desde o dia em que a empresa é fundada. Trata-se de uma ruptura abrupta com a abordagem tradicional de traçar um plano de negócios, estabelecer metas financeiras, construir um produto final e depois lançar a companhia esperando que dê certo. Esse esquema consumia tempo e dinheiro.
A fórmula preferida hoje em dia costuma ser chamada de "lean start-up" (literalmente, empresa iniciante enxuta). Entre os seus primeiros defensores estão Eric Ries, empreendedor e escritor que cunhou o termo e agora é um empreendedor residente da Harvard Business School, e Steven Blank, "empreendedor em série", escritor e professor-assistente em Stanford.
A abordagem enfatiza o rápido desenvolvimento do "mínimo de produtos viáveis", versões de baixo custo que são exibidas para avaliação dos consumidores e, a seguir, aprimoradas. Flexibilidade é outra característica. Testar modelos de negócios e ideias, e, sem dó nem piedade, descartar fracassos e passar para o plano B, o plano C, o plano D e assim por diante --num processo conhecido como "pivô" (pivoting).
A National Science Foundation está apostando no novo modelo para melhorar o índice de comercialização da pesquisa universitária que financia. Em outubro, a fundação anunciou a primeira série de subsídios do que chama de NSF Innovation Corps. As 21 equipes de três membros selecionadas em todo país receberão US$ 50 mil por seis meses para testar se suas invenções são vendáveis. Começa com um giro por Stanford e cursos lecionados por Blank, entre outros, seguidos por aulas on-line e orientação. Espera-se que cada equipe teste constantemente ideias e produtos com consumidores, fazendo experiências repetidas vezes, aderindo à fórmula de lean start-up.
"A questão é aplicar o método científico à identificação de oportunidades de mercado", disse Errol B. Arkilic, gerente de programas da fundação. "E é justamente por isso que esse método foi selecionado pela NSF."
Arkilic, que durante sete anos foi engenheiro de start-ups no Vale antes de ir trabalhar com o governo, afirma que a fundação planeja conceder 15 ou 20 subsídios Innovation Corps por trimestre. "Não podemos reproduzir o Vale do Silício em outro lugar, mas temos de descobrir uma forma de pegar suas melhores práticas e aplicá-las em outras localidades."
O modelo de lean start-up do Vale está influenciando a formação administrativa tradicional. Nas escolas de negócios, há anos existem cursos sobre empreendedorismo e gerenciamento empresarial. Porém, em meados do primeiro semestre, os 900 primeiranistas da Harvard Business School devem abrir um negócio como disciplina obrigatória. Em equipes de seis estudantes, eles receberão US$ 3.000 para fundar uma start-up que gere receitas até o fim do semestre, explicou Thomas R. Eisenmann, professor que coordenará o programa.
Eisenmann também é um dos diretores de um programa de imersão no Vale do Silício que leva dezenas de alunos para lá todos os anos para terem contato direto com as práticas e a cultura do viveiro do empreendedorismo. "Todos estão envolvidos com uma start-up", observou Eisenmann. "Presume-se que seja o comportamento normal, a coisa legal a ser feita."
A cultura de start-ups, sem dúvida, deve muito à história do Vale e à influência duradoura de suas personalidades marcantes, como Frederick E. Terman. Professor de engenharia em Stanford durante muitos anos, onde foi diretor nas décadas de 1950 e 60, Terman encorajava os melhores alunos a pôr as ideias em prática abrindo uma empresa. Entre eles estavam Bill Hewlett e David Packard, que fundaram a Hewlett-Packard em 1939. Terman costumava investir dinheiro do próprio bolso nessas start-ups.
"Sua mensagem era de que abrir uma empresa era tão importante quanto fazer doutorado", disse Blank, que leciona em Stanford. "Aquilo era considerado uma heresia na academia."
A maioria das start-ups fracassa. Talvez mais do que em outros lugares, os investidores e tecnólogos do Vale costumam ver o fracasso com certa objetividade científica, como se os reveses fossem ferramentas heurísticas que conduzem à pesquisa e descoberta.
"Ao longo de 70 anos, o Vale desenvolveu uma cultura que não personifica o fracasso", afirmou Komisar, da Kleiner Perkins. "Se você não for corrupto, burro ou preguiçoso, nós vemos o fracasso como aprendizado --aprenda com ele e reaplique o que aprendeu."
E essa cultura de assunção de riscos e aprendizado perpétuo está sendo agora aplicada bem longe de software e hardware de computador. Existem empreendimentos famosos como o Nest Labs, fundado por Tony Fadell, ex-executivo da Apple, que contratou mais de cem engenheiros de Apple, Google, Microsoft e outras companhias de alta tecnologia e é apoiado por várias empresas de capital de risco. Seu produto, lançado em outubro, é uma reinvenção do termostato, combinando sensores, aprendizado automático e tecnologia da internet num equipamento inteligente que economiza energia.
O laboratório da Blue River Technology, onde a empresa desenvolve um robô para matar ervas daninhas
 O Vale também está cheio de start-ups menos famosas em campos novos, como a Blue River Technology. Redden conheceu seu colega fundador e executivo-chefe da empresa, Jorge Heraud, 41, na aula de Blank.
Heraud, engenheiro, decidiu voltar a Stanford para dar uma renovada na carreira, depois de trabalhar durante anos como gerente de uma empresa de equipamentos agrícolas.
Ele conheceu Redden e, em conjunto, vislumbraram a chance de aplicar a visão computadorizada e o aprendizado automático à agricultura. Eles exploraram outras ideias, mas depois de conversar com possíveis compradores, decidiram por matar ervas daninhas em fazendas orgânicas --segmento de rápido crescimento que não pode usar pesticida e sofre com os custos trabalhistas.
No escritório em Sunnyvale, eles estão montando a máquina e ensinando o programa de visão computadorizada a distinguir alface de ervas daninhas. Inicialmente, tentaram matá-las com raio laser, o que se revelou muito caro. Agora pretendem usar óleo (orgânico, é claro) superaquecido.
O dispositivo, puxado por um trator, deve identificar ervas daninhas e matá-las em 200 milissegundos, um desafio formidável, mas atingível, declarou Redden.
Se aplicar visão computadorizada à agricultura é tão promissor, por que os grandes fabricantes de equipamentos agrícolas não estão bem adiantados?
"Elas não se preocupam com isso", respondeu Heraud. "Elas não pensam em visão computadorizada. Essa é uma tecnologia do Vale do Silício."

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