Andrés Bosco é um sujeito gordo, de cavanhaque, com cara de poucos amigos. Em sua página no Facebook, criada há duas semanas, tem clamado por justiça.
"O Don Metzger foi assassinado. Foi assassinado esta noite por alguém nesta casa. E eu faço questão de saber quem foi", escreveu, recentemente.
O brado indignado foi lido por 220 pessoas. Em pouco tempo, elas terão o alento de descobrir a identidade do malfeitor --mas jamais o verão preso.
Bosco e o assassino são personagens do livro "O Bom Inverno", do português João Tordo, 35, vencedor em 2009 do Prêmio José Saramago (principal distinção para autores portugueses de até 35 anos). "O Bom Inverno" não foi publicado no Brasil.
Lançado em Portugal com 8.000 cópias em setembro de 2010, o romance --sobre um assassinato ocorrido na casa de um cineasta, Don Metzger, na Itália-- está sendo adaptado para o Facebook, em pequenos capítulos atualizados diariamente.
A ideia partiu dos publicitários Erick Rosa, 36, e Thiago Carvalho, 30, brasileiros radicados em Portugal, onde trabalham na agência de propaganda Leo Burnett.
"É como ver a adaptação de um livro para o cinema", disse Rosa, diretor de criação. "Só que nesse caso, transpusemos para o Facebook. A ideia está sendo testada enquanto acontece."
Para dar conta de realocar 250 páginas na linguagem diminuta de rede social ("posts" do Facebook podem ter no máximo 420 caracteres), o redator Carvalho cortou o livro pela metade. "Suprimi alguns capítulos e divagações, tudo com a aprovação do autor", disse.
Em seguida, recorreu à agência de fotografia Corbis para procurar retratos que lembrassem a descrição dos personagens. Andrés Bosco se tornou o homem gordo de cavanhaque. Seus 17 companheiros de trama, dentre os quais um médico e um agente literário, foram agraciados com imagens joviais.
Para ler o livro, um usuário do Facebook precisa teclar no link "curtir" na página dos personagens. A partir disso, recebe as atualizações em seu próprio perfil.
LINKS INTERATIVOS
Desde que a história começou a ser contada, em 6 de maio, Carvalho dedica uma hora do dia para atualizá-la. Publica a linha narrativa e faz com que os personagens conversem entre si, em suas páginas do Facebook.
Além disso,tem uma terceira atribuição: postar links relacionados ao enredo. "Se o personagem escuta uma música, coloco um link com o vídeo dela no YouTube. Se vai para a Itália e cita o [ditador Benito] Mussolini, complemento com um link sobre ele da Wikipedia", contou.
Por telefone, o autor João Tordo se disse satisfeito: "Muitos personagens são parecidos com o que imaginei."
Ele acredita que a ação não atrapalha a versão impressa: "O livro saiu há seis meses, está na quinta edição. O grosso das vendas foi feito. E as pessoas que não costumam ler podem eventualmente se interessar."
Ele aponta que as versões são muito distintas entre si: "Monólogos interiores estão no romance e não no Facebook. A internet não substitui o livro".
A história se estenderá por mais duas semanas. Depois, os personagens continuarão a existir no Facebook, mas sem se manifestar.
De acordo com os publicitários Rosa e Carvalho, a editora Leya, responsável pela publicação de "O Bom Inverno" em Portugal, já pensa em adaptar um segundo livro para a internet.
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