Há dois meses, o primeiro jornal digital concebido exclusivamente para
tablets estampava em sua capa: "Revolução!" A cobertura do levante
egípcio caiu como uma luva à autopromoção de estreia do "Daily", veículo
que chegou ao mercado com estardalhaço só comparável ao do próprio
iPad.
Mas, baixada a poeira do lançamento e terminado o período de testes
grátis, usuários começam a se perguntar: será mesmo o "Daily" uma
revolução?
Com aparência de revista semanal, textos no tamanho do noticiário de web
e vídeos em resolução inconstante (para não dizer distorcidos), o
"Daily" chamou atenção nas primeiras semanas por travar. Isso mesmo, ele
"dava pau".
Na maioria das vezes, a única forma de continuar navegando pelas
notícias era fechando e abrindo a edição novamente. A falha chegou a
render pedido de desculpas por parte da equipe responsável, que prometeu
no blog oficial consertar os problemas técnicos.
Há outros poréns. As fotos em 360º -um dos chamarizes do produto- não
têm opção de zoom. Também não é possível aproximar-se de qualquer cena
nas galerias de imagens. Quem tenta o movimento de pinça com os dedos
acaba virando a página involuntariamente.
A cada edição, o "Daily" despacha ao menos um clipe. Nele, uma âncora
com voz empostada declama as manchetes do dia, no antigo formato do
boletim televisivo.
Por fim, se o usuário não salvar o que achar interessante, perde o
conteúdo no dia seguinte -a não ser que procure em sites paralelos, como
este. Não há diretório ou arquivo com todas matérias de dias anteriores.
MURDOCH X INTERNET
Poucos meses após afundar o MySpace -a maior rede social do mundo até
2008, símbolo da eleição do primeiro presidente negro dos EUA-, Rupert
Murdoch se uniu ao líder da Apple, Steve Jobs, na elaboração de um novo
modelo de distribuição de notícia.
"Novos tempos pedem um novo jornalismo", bradou Murdoch, durante o
lançamento ocorrido no prestigioso museu Guggenheim, em Nova York.
Poderoso da mídia na Austrália, no Reino Unido e nos Estados Unidos,
Murdoch não é exatamente um fracassado em assuntos digitais. Dos seus 80
anos, passou quase 60 à frente da News Corporation.
Em 2009, surpreendeu ao cobrar pelo conteúdo do "Wall Street Journal" na rede.
Analistas viam a medida como mesquinha e suicida -reza a lenda que o
internauta só tolera o que cair de graça em seu colo. Alguns meses
depois, a jogada deu tão certo que o mais importante jornal do mundo, o
"New York Times", admitiu publicamente que abrir todo o conteúdo (como
vinha fazendo) era um tiro no pé.
Murdoch aproveitou para implementar o modelo em outros veículos do seu
conglomerado, como o "Times" e o "Sunday Times". Resultado: a média de
visitantes caiu mais de 40%, sendo que 105 mil clientes se dispuseram a
pagar pelo conteúdo só no ano passado.
Moral da história: por mais que os acessos caiam (e eles caem), os
usuários que topam pagar pelo conteúdo sustentam o modelo de negócio.
O "Daily" vem para desempatar o placar da disputa entre Murdoch e mundo digital, portanto.
VELHO FORMATO
Em um ambiente em que administrar a avalanche informação virou caso
clínico, quem se dispõe a organizar o conteúdo disponível pode ser mais
precioso e revolucionário do que quem produz ainda mais informações. Foi
assim que o Google se tornou o Google.
Conceitualmente, o "Daily" é pouco inspirador. Mas, é evidente, Murdoch não está aqui para inspirar ninguém (ele não é Jobs).
De US$ 0.99 em US$ 0.99 (preço semanal do seu produto), a empreitada
murdochiana pode ser um estrondoso sucesso de assinaturas; pode forçar
todos os grupos de comunicação a imitar seus maneirismos ipadísticos
(fotos em 360º, apresentadora loira dando os destaques do dia, carrossel
de páginas com fundo galático-cafona etc); pode, enfim, ser a virada de
mesa da publicidade on-line, transformando os anúncios baratíssimos que
se tem hoje em minas de ouro.
E talvez seja esse mesmo o trunfo do tubarão Murdoch: requentar um
formato e chamá-lo de revolução, a despeito do cheiro de naftalina que
sobe a cada página digital que viramos do "Daily".
Até agora, a News Corp. não divulgou quantos usuários baixaram seu aplicativo.
NOVO FORMATO
Quem vê a revista diária da News Corp. para o iPad como um novo conceito
de jornalismo ou a ponte da esperança entre a publicidade tradicional e
a publicidade on-line nunca folheou o Flipboard, seu antípoda
conceitual.
Mas não há porque se envergonhar. Quando ouvi falar em um aplicativo que
ajuda usuários a montarem sua própria revista, fiquei com preguiça.
Imagina só o trabalho que isso deve dar? Prefiro jogar Angry Birds ou
brincar com aquele gato que repete tudo o que eu digo...
Essa é, no entanto, uma péssima maneira de apresentar o melhor aplicativo para iPad desde o surgimento do tablet.
A bem da verdade, não é você o editor em exercício do Flipboard.
Trata-se de uma "revista social". A única coisa que se precisa fazer é
"logar" com perfis de Facebook ou Twitter. A partir daí, ele diagrama os
últimos acontecimentos a partir do que os seus contatos compartilham,
dizem, fotografam, gravam e postam. E transforma isso tudo numa revista.
De modo que as últimas notícias sobre a tragédia no Japão ficarão ao
lado da chamada para as fotos das férias do seu colega de trabalho, por
exemplo. O status da sua namorada será a manchete da página seguinte, e
assim vai.
E quem vai ousar dizer que os protestos na praça Tarhir, no Egito, ou a
guerra na Líbia dizem mais ao internauta que o fato de sua paquera ter
atualizado o status no Facebook para "solteira"?
Murdoch, talvez?
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