No passado não muito distante, o distanciamento entre membros de uma família, por mais angustiante que seja, podia ser realizado de maneira razoavelmente limpa. Era possível cortar contato e nunca mais receber notícias daqueles com quem alguém tivesse rompido, até a reconciliação.
Mas no mundo das redes sociais, os rompimentos estão sendo redefinidos, com novas complicações. Parentes podem vislumbrar as vidas uns dos outros no Facebook, Twitter e em fotos de uma criança ou de um jantar pré-casamento no Instagram. E esses vislumbres muitas vezes são lembretes dolorosos daquilo que foi perdido.
Jessica, 27 anos, se incomoda com o fato de que seu pai (com quem rompeu contato) acompanha o que ela escreve em redes sociais |
"Há coisas que os pais passam a vida supondo que acompanharão de perto, mas só vêm a saber sobre elas em terceira mão, o que causa sofrimento e humilhação", diz.
Não existem dados sobre o número de famílias dissolvidas, nos Estados Unidos, e não se sabe se ele está ou não em ascensão. Mas os especialistas em geral concordam em que os rompimentos familiares --entre pais e filhos ou entre irmãos-- podem resultar em depressão, problemas maritais, vícios e até suicídio.
Vera Shelby, diretora da Healing Estranged Relationships, uma organização que apoia membros de famílias dissolvidas no Texas e no Colorado, diz que os rompimentos passam por estágios definidos de pesar. "É quase pior que a morte, porque quando sua família rompe com você, eles continuam vivos", diz Shelby, 67, cuja filha rompeu relações com ela durante quatro anos. (Ao contrário de Shelby, a maior parte das pessoas que romperam relações com familiares e foram entrevistadas para este artigo pediram que seus nomes completos não fossem revelados.)
Uma mulher chamada Mary, funcionária pública na Flórida, passou dois longos períodos rompida com sua filha. O primeiro, iniciado em 1997, foi dilacerante, mas ela diz que sofreu menos do que vem sofrendo agora, quando está há 10 meses sem contato com a filha.
"Não soube o que ela estava fazendo, por todos aqueles meses e anos", disse Mary, acrescentando que sua filha rompeu relações com ela porque Mary desaprovava o homem com quem ela estava namorando. "Era mais fácil, então, porque não havia nada que me forçasse a recordar".
Em 2005, elas reataram seu relacionamento, por seis anos, mas a filha, agora casada com o namorado que Mary desaprovava e mãe de uma criança pequena, deixou novamente de falar com a mãe 10 meses atrás, por motivos que Mary não compreende. Ela aderiu ao Facebook em 2008, e sofre sempre que verifica a página da filha.
"Você vê outras pessoas curtindo sua filha e neto, e fica excluída", diz Mary. "Tenho de ver fotos do meu neto --que não recebi-- na página da cunhada de minha filha."
A briga também as expõe diante de parentes e amigos, de maneira humilhante. Quando o filho de Mary, que tem 21 anos, tomou o partido da irmã e rompeu contato com a mãe por alguns meses, ele a removeu de sua lista de amigos e a criticou publicamente no Facebook. "Havia uma carinha branca de fantasma no lugar da foto dele em minha página de perfil", ela diz.
Alguns pais dizem que não conseguem evitar visitas às páginas de seus filhos na web, em busca de pistas quanto ao motivo dos rompimentos. Se o filho de alguém bloqueia a pessoa no Facebook, esta pessoa pode mandar convites de amizade aos amigos do filho na rede ou realizar buscas na internet para descobrir onde um neto está estudando.
"É uma questão comum no meu site --se é mais doloroso visitar a página de Facebook de um parente com quem estamos rompidos ou se é preferível o distanciamento completo", diz Elizabeth Vagnoni, documentarista que comanda uma lista de discussão para pais rompidos com os filhos, em estrangedstories.ning.com. A lista tem mais de 2.200 membros, e Vagnoni mesma passou por períodos de rompimento de mais de uma década com sua mãe, e agora tem dois filhos com quem não fala. "Agora vivo sabendo exatamente o que minha mãe sentia", diz.
Para aqueles que têm esperança de reconciliação, investigar on-line pode sair pela culatra caso seja entendido como espionagem, diz Monica McGoldrick, terapeuta familiar e diretora do Multicultural Family Institute, em Highland Park, Nova Jersey. Para uma mãe, diz, "se surgir o dia em que ela volte a conversar sua filha, o que poderá dizer?"
As pessoas que usam mídia social dizem estar cientes de que parentes com quem estão rompidas as observam. Uma década atrás, Jessica, 27, funcionária de uma companhia de marketing em Manhattan, rompeu contato com o seu pai alcoólatra, depois de muitos problemas. (Pouco depois que ele se casou de novo, quando ela tinha 10 anos, Jessica ligou para ele e disse que "você pode se divorciar da sua mulher mas não pode se divorciar de seus filhos". A resposta dele, segundo Jessica: "Pena que não posso".)
Ela usa o Twitter para o trabalho e por diversão, e sabe por meio de outros parentes que seu pai acompanha o que ela escreve --sabe de sua dieta vegan, de sua agenda de viagens e de sua vida social. Isso a irrita, embora reconheça que posts no Twitter são abertos a todos.
"Não gosto que ele conte a parentes distantes sobre as coisas que lê a meu respeito on-line, porque 140 caracteres não contam toda a história", ela disse. Armado de detalhes, ele enganou a mãe de Jessica --de quem ela é próxima-- sobre a proximidade de seu relacionamento com a filha.
"Isso é frustrante", ela diz. "Foi assim que percebi o lado repulsivo do espaço digital."
Depois de voltar a fazer contato com seu pai biológico, em 2008, Lori, que foi adotada quando criança e vive em Brooklyn, começou a ficar preocupada e alarmada com o tom agressivo de seus e-mails, nos quais ele a acusava de desrespeito e de não manter contato.
Ela por fim decidiu cortar todo o contato, em 2009. Bloqueou seu número de telefone e e-mail, negou o pedido de amizade do pai no Facebook e tirou a sobrinha dele de sua lista de amigos. Lori, 37, ainda sente angústia pela decisão. "Senti muita culpa por romper", diz, "mas não tenho obrigação de ser a pseudofilha dele".
Às vezes as pessoas usam a mídia social para trocar insultos à distância. Mark Sichel, um psicoterapeuta de Manhattan, disse que o filho de um cliente postou detalhes sobre seu rompimento com o pai no Facebook, neste mês. Sichel também atendia a um casal sempre brigado que postava novidades alegres no Facebook só para irritar a mãe do marido, com quem ele não falava. A personalidade que eles adotam on-line "é puro fingimento", diz.
O distanciamento muitas vezes não interrompe apenas um relacionamento, mas força parentes a tomar partido, levando a outros desentendimentos --por exemplo, cartões de aniversários enviados por um avô não são entregues ao neto.
Nesse contexto, a mídia social representa uma esperança de que os rompimentos não tenham consequências para terceiros.
"Se o seu filho não fala com você mas tem filhos adultos, seus netos podem ser seus amigos de Facebook", diz McGoldrick. A filosofia dela é a de que "mesmo que alguém escolha não ter um relacionamento comigo, ninguém tem o direito de dizer com quem posso me relacionar".
Sichel, cujos pais romperam relações com ele em 2001, é cético. "Não creio que o Facebook ajude a curar problemas familiares", diz. "Só aumenta a fofoca e o diz-que-diz, e acrescenta imagens."
Uma possível solução é fechar a conta no Facebook, para evitar sofrimento. "Mas tenho medo de fechá-la", disse Mary, que recentemente sofreu ao ver um vídeo do neto rindo no Facebook.
"De alguma estranha maneira, sinto que tenho uma conexão com ele, mesmo que pela tela", acrescentou. "Sei que não é real, mas é o último elo a que me apego."
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