Um convite enviado de última hora aos jornalistas e analistas, com apenas quatro dias de antecedência; a apresentação de um "grande produto", alardeado como "algo que você não vai querer perder", em um evento na costa oeste dos Estados Unidos; o presidente-executivo da companhia servindo como garoto propaganda do aparelho, elogiando o design e a estética e alardeando os componentes feitos de magnésio sinterizado.
Seria fácil confundir a apresentação do tablet Microsoft Surface, em 18 de junho, com um evento da Apple --ainda que seja impossível imaginar o bombástico Steve Ballmer, da Microsoft, como um dos carismáticos executivos da rival.
Steve Ballmer, executivo-chefe da Microsoft, apresenta o Surface durante evento da empresa em Los Angeles |
O mais fascinante no anúncio, porém, é que demonstra de modo dramático o quanto a Microsoft quer se transformar na Apple. A empresa que deu ao mundo o Windows, e enriqueceu com ele, sofre há anos de séria inveja da Apple. Quando Bill Gates ainda trabalhava em sua empresa em período integral, ele expressava irritação ao visitar a loja londrina da Apple em Regent Street, inaugurada no final de 2004. "É dessas coisas que precisamos!", ele se queixava, para desespero de seus asseclas, que preferiam não mencionar o fato de que a Microsoft não produzia coisas, como a Apple; produzia software. Além do Xbox, uma loja da Microsoft naquele período teria expostos apenas caixas e mais caixas de software e alguns mouses e teclados. Os laptops acionados pelo Windows eram todos fabricados por outras companhias, como a Dell e HP.
E esse era um bom arranjo para a Microsoft: software é altamente lucrativo, porque, depois que você cria o original, o próximo bilhão de cópias custa praticamente zero, o que fez da Microsoft a companhia mais valiosa do mundo no final de 1999.
No entanto, agora a Microsoft está esnobando as empresas que a tornaram rica ao fabricar todos aqueles computadores acionados pelo Windows; está imitando descaradamente a Apple, produzindo um aparelho do tamanho de um iPad, colocando seu nome nele, decidindo o preço e vendendo-o por meio de suas lojas, físicas e on-line. (Gates ficará contente.)
Mas será que isso é apenas uma paixonite empresarial passageira? Ou algo de mais profundo? "Por que a Microsoft procuraria uma alternativa para o que foi o modelo de negócios mais brilhante do século 20?", indaga Horace Dediu, ex-executivo da Nokia que agora dirige a consultoria Asymco. Sua resposta: "Porque ele não funciona mais".
Dediu afirma que isso se deve à ascensão da mobilidade --o fato de que cada vez mais usamos tablets e celulares inteligentes para trabalhar em qualquer lugar e a qualquer hora, enquanto dez anos atrás estaríamos todos sentados diante de um computador de mesa ou laptop. Agora, iPads são usados para criar arte ou armazenar manuais de voo para pilotos. E quase 1 milhão de celulares equipados com o sistema operacional Google Android são ativados a cada dia.
A mobilidade ganha cada vez mais importância. Os celulares inteligentes superaram os computadores pessoais em volume de vendas no final de 2010; e, ainda que os tablets só existam há dois anos, um total de 108 milhões deles deve ser vendido este ano (ante cerca de 400 milhões de computadores); o grupo de pesquisa IDC elevou sua projeção pouco antes do anúncio da Microsoft, e vem reduzindo constantemente suas projeções de venda de computadores, enquanto eleva as de tablets.
"O ritmo de crescimento dessas plataformas é quase vertical", diz Dediu. "O do Microsoft Windows mal mostra elevação".
O Google está seguindo o mesmo caminho. Tomou o controle da Motorola Mobility, fabricante norte-americana de celulares inteligentes e tablets, e deve anunciar neste mês um tablet de sete polegadas com sua marca. (Larry Page e seus colegas não ficarão contentes por a Microsoft ter roubado a cena; Ballmer, que odeia o Google, ficará deliciado; e isso também pode explicar por que o anúncio foi feito às pressas.)
A Microsoft está imitando a Apple porque não tem escolha. O celular inteligente e o tablet representam o que o analista Benedict Evans, da Enders Analisys, define como "ameaça existencial" à companhia. Se não conseguir estabelecer posição nesses mercados, seu crescimento freará. Até agora não conseguiu fazê-lo nos celulares inteligentes. Os tablets subitamente se tornaram um produto necessário.
É claro que a aventura pode dar completamente errado. Pense no Zune --um produto concebido por Ballmer (ele literalmente estalou os dedos em uma reunião do comando da empresa e disse "precisamos de algo assim!") que veio tarde demais, em 2006, para concorrer com o iPod, que já havia passado do pico. A Apple já estava de olho no iPhone, que suplantou o aparelho precedente e apresenta lucratividade muito mais alta. O Zune jamais foi a lugar algum (literalmente: só era vendido na América do Norte) e foi discretamente cancelado no ano passado.
No entanto, os consoles de videogame Xbox 360 conquistaram sucesso, cimentando a posição da Microsoft em milhões de sala de estar em todo o mundo. Exceto se você considerar os números: o total de vendas do console é de 67,2 milhões desde 2005. No ano que vem será lançada a nova geração do sistema --o Xbox 720--, e as projeções internas da empresa para ele são de 100 milhões de unidades vendidas em dez anos. Dediu ri: "Apenas 100 milhões? Isso equivale a 100 dias de ativação do Android. E é a ambição deles para uma década?"
Ninguém espera que a Microsoft impeça a Dell ou HP de vender computadores equipados com o Windows -ou que as companhias deixem de fazê-lo em curto prazo. Mas há sinais de desgaste no ar. Na metade do ano passado, a HP anunciou que abandonaria o setor de computadores pessoais porque suas margens de lucro eram ínfimas (a empresa terminou demitindo seu presidente-executivo e voltando atrás). A Dell continua tentando se expandir no setor de serviços, e tem lucro zero nos computadores vendidos ao consumidor.
Mas ao ingressar com força no mercado de tablets equipados com o Windows, a Microsoft demonstrou que compreende a necessidade de uma reinvenção. A velha Microsoft teria permitido que mil fabricantes de computadores produzissem tablets --grandes, pequenos, ótimos, horríveis, caros, baratos. A nova controlará os aplicativos que operam no Surface por meio de uma loja on-line, e decidirá quanto a preços e modelos. Passou muito tempo desde 2004, quando o entusiástico Ballmer veio a Londres e disse a uma plateia de jornalistas que o questionavam sobre o iPod que "com grande respeito à Apple, não há como eles gerarem massa crítica, porque a Apple não oferece o volume de produção requerido".
O iPod então já estava registrando mais vendas que os aparelhos equipados com o Windows Mobile. Se você não pode vencê-los, junte-se a eles --e de preferência roube até suas roupas.
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