Dirigir um automóvel é uma atividade perigosa. Nas ruas das grandes cidades as variáveis de alto risco são tantas que causará espanto às futuras gerações a tranquilidade com que pilotávamos bólidos de centenas de quilos de aço ouvindo músicas, conversando ou enviando mensagens de texto via celular, alheios às estatísticas de acidentes, aos quilômetros de congestionamentos e às campanhas de prevenção. "Na época não tínhamos robôs" --alguns dirão, nostálgicos, aos netos, fantasiando uma vida de liberdade e aventura típica de um Hell's Angel, só possível nos filmes e comerciais de TV.
Estressante, o trânsito cotidiano consome uma fortuna em acidentes, poluição, estacionamentos e tempo. Há várias discussões para diminuir seu impacto através de transporte público e veículos alternativos, mas considerada a popularidade e onipresença dos automóveis, não é viável imaginá-los "desinventados". Nenhuma solução de urbanismo estará completa se não levar em conta os carros, mesmo que sejam poucos.
Uma saída para o problema pode estar na automação dos motoristas. Em segmentos variados como manufatura, montagem, empacotamento, transporte, exploração, medicina e segurança, robôs especializados tomaram o lugar das pessoas quando a tarefa é repetitiva, perigosa ou demande ações rápidas e precisas, tomadas a partir de informações contextuais. Por que não o transito?
O mundo digital dá acesso a bases de dados gigantescas, processadores mais rápidos e sistemas de Inteligência Artificial, que podem habilitar máquinas com a percepção de suas redondezas e facilitar a tomada de decisões. Essa tecnologia já vem sendo usada há algum tempo nas máquinas de guerra e como toda inovação desenvolvida com fins militares tende a ser um laboratório para usos civis, em pouco menos de uma década é possível imaginar veículos autônomos, como o carrinho que explora Marte, disponíveis para consumo.
Daí a enfrentar os obstáculos e imprevistos do trânsito cotidiano nas grandes cidades é um grande passo, mas não significa que seja impossível. Projetados desde a década de 1990, muitos veículos auto-dirigíveis já estão em operação em ambientes controláveis como galpões de fábrica. No ambiente doméstico, um exército de trabalhadores eletrônicos discretos e humildes já aspira o chão, corta a grama e limpa a piscina.
Os novos carros deverão ter um sistema inteligente, integrado a GPS e dados gerados pelos outros veículos, capazes de analisar uma quantidade gigantesca de dados e tomar decisões rapidamente, guiando com reflexos sobre-humanos. Não suscetíveis a emoções humanas ou cansaço, os motoristas digitais respeitarão todas as regras, reduzindo, só por esse motivo, muitos acidentes. No caso raro de ocorrer uma colisão, suas caixas pretas ajudarão a analisar os motivos, atribuir responsabilidades e gerar aprendizado coletivo.
Por dentro, suas cabines deverão ser confortáveis e seguras, como cápsulas de naves, com a Internet e redes de comunicação projetadas no pára-brisa e operadas por comando de voz. Modular, o novo carro pode se acoplar a outros quando precisar transportar mais pessoas ou cargas e, quando não for usado, pode ser empilhado. Sua manutenção, documentação e abastecimento funcionariam por débito automático, e multas seriam quase inexistentes.
Quanto mais dirigidos, mais "espertos" e personalizados os veículos estariam. É um grande avanço para as charangas de hoje, que ainda tem "marchas" e medem a potência do motor em "cavalos". A transformação é tamanha que relegaria os automóveis que conhecemos hoje a objetos de culto e coleção, como as velhas câmaras e máquinas de escrever.
Tais carros não eliminariam o transporte público. Muito pelo contrário, eles provavelmente estariam integrados às redes coletivas, ajudando seus ocupantes a escapar de horários de rush via trens e ônibus enquanto pegam as crianças na escola, transportam compras, esperam nos pontos combinados ou voltam sozinhos para casa.
Talvez um dia, como sonhamos nos Jetsons, até voem. Mas isso ainda vai demorar muito.
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