O ex-executivo-chefe da Apple John Sculley, 73, que fala nesta quinta-feira (21) no evento Info@trends, em São Paulo, vê grandes oportunidades em serviços médicos à distância via web e smartphones.
Sculley, que morou em São Paulo por três anos no início dos anos 1970, para conduzir a expansão internacional da PepsiCo, tornou-se presidente da Pepsi em 1977 e foi convidado por Steve Jobs a assumir o comando da Apple em 1983.
Então jovem e inexperiente, o fundador da empresa de computadores se impressionara com a campanha de marketing que Sculley liderou para combater a Coca-Cola.
"Você quer vender água açucarada pelo resto da sua vida ou quer uma chance de mudar o mundo?" foi a famosa pergunta que Jobs fez a Sculley para convencê-lo a trabalhar na Apple.
"Quando entrei na Apple, fui o primeiro executivo de uma grande marca de consumo a se juntar à indústria de alta tecnologia. Hoje, vejo uma oportunidade perfeita para unir o marketing de grandes marcas à assistência médica, que pode ser feita de forma muito mais barata com serviços à distância", afirma Sculley à Folha.
Atualmente, ele é investidor de empresas como a rede social de saúde Careverge, que coloca usuários em contato com profissionais de medicina.
Sua gestão na Apple é lembrada pela introdução do computador de mão Newton, em 1993. Apesar de ter sido um fracasso de vendas, ele abriu caminho para dispositivos como o iPhone.
Embora aponte o iPad como seu gadget favorito, Sculley diz que o aparelho que mais usa é um BlackBerry. "Ainda gosto de smartphones com teclado físico", diz.
Steve Jobs se demitiu da Apple em 1985 após uma disputa interna com Sculley, que foi afastado do comando da empresa em 1993.
Leia, abaixo, a íntegra da entrevista que ele deu à Folha por telefone de sua casa, na Flórida.
John Sculley, ex-executivo-chefe da Apple, que fala nesta quinta-feira (21) no evento Info@trends, em SP |
Folha - Como será sua palestra no Info@trends?
John Sculley - Falarei sobre como grandes ideias surgem nas empresas. Também contarei algumas histórias de grandes ideias em que estive envolvido na Pepsi e na Apple e falarei sobre minha experiência com Steve Jobs. Darei ainda uma perspectiva sobre o que estou fazendo atualmente, que é ajudar empreendedores a criar negócios de sucesso. Tenho feito isso há muitos anos.
Você já morou no Brasil. Como foi a experiência?
Em 1973, fui escalado para conduzir os negócios internacionais de alimentação da PepsiCo. Compramos uma pequena empresa brasileira chamada Chips e outra chamada Elma. Transformamos as duas em uma, batizando-a de Elma Chips. Morei em São Paulo por três anos e meio. Nesse período, expandimos a operação para Porto Alegre, Belém, Santa Catarina, Rio... Enfim, o país inteiro. Foi muito divertido. Eu era muito jovem, e minha equipe também.
O Brasil era muito diferente do que é hoje. No governo militar, havia controles muito rígidos: de moeda, de importação, todo tipo de imposto, inflação desenfreada. A comunicação também era muito difícil. Você precisava esperar até sete horas para fazer uma chamada internacional comum --uma conversa de dez minutos podia custar mais de US$ 150. As ligações tinham que ir do Brasil para a Espanha, e então de volta para os EUA, atravessando o oceano duas vezes. Usávamos máquinas de Telex, e não havia celulares e computadores pessoais, obviamente.
O Knowledge Navigator [navegador de conhecimento], conceito desenvolvido pela Apple durante sua gestão, em 1987, antecipa funcionalidades dos atuais tablets e dos assistentes pessoais baseados em comando de voz. Quão próximos do nível de sofisticação do Knowledge Navigator estão os atuais iPad e Siri, da Apple?
Acho que o iPad e o Siri --que é incrível-- estão muito próximos dele. Eu não criei a tecnologia do Knowledge Navigator, obviamente. Ele surgiu de uma conversa que tive com Alan Kay, que é tido como o inventor do computador pessoal, quando ele era colaborador da Apple, em 1985. Eu não tinha conhecimentos técnicos para fazer aquilo, mas Alan tinha. Eu e ele visitamos muitos laboratórios, a maioria deles nos EUA, e vimos algumas coisas que estavam sendo feitas. A partir disso surgiram os conceitos que aplicamos no Knowledge Navigator. Procurei George Lucas e perguntei a ele se havia uma maneira de simular aquilo, porque, na época, não conseguiríamos construir nada nem perto tecnicamente. George disse que poderíamos usar efeitos especiais.
Escrevi sobre o Knowledge Navigator em 1987 no meu livro "Odissey" (odisseia). Muitos dos conceitos dele, como recursos multimídia, um assistente inteligente, reconhecimento de voz, gestos, tablets e videoconferência, que hoje vemos com naturalidade, eram apenas sonhos em 1987. É divertido olhar para o Knowledge Navigator hoje.
O que você acha do novo tablet da Microsoft, o Surface, e do Windows 8?
Espero que Windows 8 seja muito bem sucedido. Estamos na era pós-PC, e acho que, embora ainda tenha que recuperar o atraso, a Microsoft é uma empresa muito competente. O Surface parece ser um produto muito bom. É muito familiar para um usuário do iPad e do MacBook Air, mas tudo bem --a Microsoft sempre foi uma seguidora. Eu suponho que ele fará mais sucesso no mercado corporativo.
O que é interessante hoje é que as empresas antes voltadas ao consumidor final estão promovendo a inovação no mercado corporativo: Amazon, Apple, Facebook, Google. Acho que a Microsoft tem ideias de interface muito boas, como os "tiles" [blocos dinâmicos do Windows Phone e do Windows 8], que remetem a ideias da própria empresa na época de Bill Gates, nos anos 1980. Antes de a Microsoft adotar o visual do Macintosh, no Windows 3.1, eles usaram "tiles" nas versões 1.0 e 2.0 do Windows.
Um dos modelos do Newton, computador de mão introduzido pela Apple em 1993, durante a gestão de John Sculley |
Acho que o maior legado do Newton foi a criação do processador ARM, que surgiu de uma colaboração entre a Apple, a Olivetti e a Acorn e está em praticamente todos os dispositivos móveis de hoje. Ele foi desenvolvido por engenheiros da Apple porque precisávamos de um processador que consumisse pouca energia e lidasse com gráficos. Não existia, na época, um processador com essas características.
Além disso, o Newton foi o produto que manteve a Apple viva. Eu era totalmente contra licenciar a tecnologia do Mac, porque não via como isso poderia ser feito sem levar a empresa à falência. Depois que fui expulso da Apple, eles de fato licenciaram a tecnologia do Mac, e a empresa quase foi à falência antes da volta de Steve Jobs. Mas uma das coisas que ajudaram a salvá-la foi que, pouco antes de Steve ser convidado a voltar, a Apple vendeu seus 47% de participação na ARM, o que rendeu à empresa cerca de US$ 800 milhões. Em retrospectiva, o Newton foi muito lucrativo para a Apple. Esse dinheiro foi usado para garantir a sobrevivência da empresa.
Em retrospectiva, acho que o produto foi lançado muito cedo. Achávamos que ele funcionava muito melhor do que funcionava de fato. O produto não foi criado em torno de reconhecimento de escrita, que era um recurso menor. Mas, infelizmente, seu reconhecimento de escrita era tão ruim que o Newton ficou permanentemente associado a ele. Muitas das coisas mais interessantes que ele fazia foram totalmente ofuscadas por isso. O Newton deveria ter sido introduzido, no máximo, como uma versão beta (de testes). Você aprende com seus erros. Há bons legados do Newton de que todos estamos usufruindo hoje, como o processador ARM e a ideia de um assistente pessoal de mão sem teclado e com comunicação sem fio embutida.
Depois de deixar a Apple, você continuou envolvido com tecnologia. Por que escolheu esse caminho?
Não sou um tecnologista treinado. O que faço é auxiliar empresas a ser transformadas usando tecnologia inovadora. Quando entrei na Apple, fui o primeiro executivo de uma grande marca de consumo a se juntar à indústria de alta tecnologia. Hoje, vejo uma oportunidade perfeita para unir o marketing de grandes marcas à assistência médica, que pode ser feita de forma muito mais barata com serviços à distância via web e smartphones. Faço parte do conselho de empresas de saúde, e meu papel é assessorar os gestores, atrair capital e abrir as portas para parceiros.
Quais são os seus gadgets preferidos?
O iPad é provavelmente o meu favorito, mas o aparelho que uso mais é o BlackBerry. Espero que a RIM [fabricante do BlackBerry] sobreviva, porque ainda gosto de usar um smartphone com teclado físico. Tenho um MacBook Air e um iMac no meu escritório e levo o iPad para todo lugar. Sou um grande fã dos produtos atuais da Apple, mas também sou um grande usuário de BlackBerry.
John Sculley entre Steve Jobs e Steve Wozniak, cofundadores da Apple, no lançamento do Apple IIc, em 1984 |
Dei algumas entrevistas a ele por telefone para o livro, mas não o li. Pelo que eu ouvi falar, é bastante preciso. Ele esclareceu algumas questões. Muitas pessoas acham que eu demiti Steve Jobs, e Isaacson contou a história verdadeira. Eu nunca demiti Steve. Houve um confronto entre nós dois em 1985 sobre as vendas fracas da divisão do Macintosh, o que estava esgotando os recursos da empresa. Eu e Steve tínhamos ideias muito diferentes do que fazer. Fomos ao conselho, que fez sua própria investigação. O conselho me apoiou e pediu para Steve deixar a divisão do Mac. Mais tarde, ele mesmo se demitiu. Eu nunca o demiti.
As estratégias que implantei depois da saída dele funcionaram, e a Apple deu a volta por cima. Quando deixei a empresa, ela tinha crescido 1.000% e era a companhia de PC mais lucrativa do mundo. Eu sempre me senti mal pelo fato de o fundador não estar mais lá, porque obviamente Steve era brilhante. Eu não tenho a pretensão de ser brilhante. Ele era um ótimo criador de produtos, que não é a minha especialidade. Eu nunca poderia me igualar a Steve Jobs, mas me sinto bem com o fato de a Apple ter sido bem sucedida ao longo dos dez anos em que estive lá.
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