Vladimir Safatle, professor de filosofia da USP, pôs evidência
científica em uma sensação empírica que sempre tive: a internet, ao
contrário de abrir um espaço para debate, é um imenso clube de gente
conectada mas que fala para a sua própria tribo - e, pior, ouve apenas o
que a tribo tem a dizer.
O estudo de Safatle, em parceria com Marcelo Coutinho, professor da FGV e
especialista em internet e política, concluiu, segundo reportagem
de Uirá Machado para a Folha de segunda-feira, que "a
internet está mais para grande espaço fragmentado de posições, onde cada
território está ocupado por opiniões muito bem definidas e que não
entram em contato com ideias diferentes. Manifestações dissonantes são
reprimidas ou ignoradas".
Bingo.
Por pura coincidência, no domingo, Soledad Gallego-Díaz, uma das grandes
jornalistas espanholas, hoje correspondente de "El País" em Buenos
Aires, mostrava que essa tendência a fechar-se em si mesmo é antiga,
precede a internet e é universal. Trata-se de um fenômeno que o jargão
acadêmico batiza de "confirmation bias", viés de confirmação.
Soledad explica assim o tal viés: "É a tendência que o tem o cérebro
humano de aceitar a informação que confirma aquilo em que já acredita,
independentemente de que seja verdade ou não, e de rejeitar aquilo que
põe em dúvida [a sua crença]".
É claro que a internet tornou exponencial essa tendência natural.
Continua Soledad: "A realidade, dizem os peritos, é que, afogados por um
fluxo de informação que não cessa, os cidadãos elegem automaticamente
os dados que melhor se acomodam ao que já pensam e rechaçam, sem a menor
vergonha, o resto".
Não importa se são dados falsos ou comprovados; importa que reafirmem
cada um em na sua própria crença".
Soledad cita estudos do jornalista Joe Keohane, que demonstram que mesmo
dados verdadeiros são incapazes de mudar determinadas mentes. "Ao
contrário, quando pessoas desinformadas recebem os dados corretos, não
só não mudam de opinião ou modificam sua crença, como se aferram ainda
mais a ela".
Outro estudioso citado pela jornalista espanhola é Brendan Nyhan, que
vasculhou particularmente o caso de militantes de partidos políticos.
Escreve Soledad: "A evidência acumulada nos estudos realizados por Nyhan
[...] é a de que as pessoas mais desinformadas são as que têm as
opiniões políticas mais fortes. E quanto mais essa pessoa se preocupa
por um assunto concreto, mais duro é o efeito 'tiro pela culatra' do
dado certo que deveria levá-la a corrigir sua posição".
Constato quase diariamente essa impossibilidade de fazer alguns leitores
pensarem. Cansei de receber correspondência de petistas, por exemplo,
que dizem mais ou menos o seguinte: "Antigamente [no governo anterior],
eu gostava muito do que você escrevia, mas agora, acho que você é (aí
entra uma porção de asneiras)".
Ou seja, quando eu criticava o governo anterior - e, portanto, reforçava
a crença do petista - era bacana. Mas quando passo a criticar o governo
do PT, aí o leitor tapa o ouvido, fecha os olhos e se recusa a ver sua
crença cega desafiada.
Tucanos não têm comportamento diferente, não, assim como militantes de
qualquer outro partido. É por isso que a internet é um poderoso
instrumento de informação mas como eixo de debate político não passa de
um clube de "nós com nós mesmos". Pena.
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