A ombudsman da Folha, Suzana Singer, no domingo, e o especialista
bielorrusso radicado nos Estados Unidos, Evgeny Morozov, na segunda,
disseram sobre a internet o que eu há muito tinha vontade de dizer, mas
estava esperando vozes mais autorizadas.
Suzana, sob o sugestivo título "Comente com moderação", cita cartas publicadas nesta Folha.com
que são lixo puro, para emendar: "A rede, com o seu manto protetor do
anonimato, libera o lado mais perverso e raivoso, como se viu
recentemente na onda antinordestina que surgiu depois da vitória de
Dilma Rousseff".
Quase perfeito, cara Suzana. Quase porque esse lado "perverso e raivoso" vem sendo liberado faz muito mais tempo.
Menos mal que a ombudsman puxou também para o seu texto comentário de
uma leitora não identificada que diz: "Os comentários na Folha.com me
fazem sentir vergonha de pertencer à raça humana". Bem-vinda ao clube,
cara leitora, embora tema que sejamos muito solitários nele.
Na segunda-feira, Morozov ia um pouco na mesma linha mas apontando problemas ainda mais graves.
Primeiro problema: "Alguns governos autoritários estão fazendo
experimentos com propaganda ideológica e se tornarão muito ativos na
internet. Nada na rede dificulta espalharem sua mensagem com mais
ressonância do que nunca".
Segundo problema: "Operações sigilosas em que se pagam blogueiros ou se subsidiam sites para tentar mudar a opinião pública".
O especialista citou o Kremlin e o presidente iraniano Mahmoud
Ahmadinejad, mas, na recente campanha eleitoral brasileira, ficou
evidente que havia blogueiros pagos para destilar veneno.
Aliás, um dos problemas da internet é que você nunca sabe se este ou
aquele blogueiro é apenas um legítimo interessado em participar do
debate público ou é financiado por alguém com objetivos propagandísticos
ou piores.
É desanimador verificar, nos comentários à colunas e blogues, a
predominância de dois tipos de atitudes, ambas calhordas: uma é xingar,
em vez de argumentar.
A outra é mais canalha: o remetente atribui um rótulo a quem faz um
comentário como forma de desqualificar o interlocutor, em vez de
responder a seus argumentos.
Funciona mais ou menos assim: João dos Anzóis Carapuça critica o
Corinthians. Vem alguém e diz que João é palmeirense ou sãopaulino.
Fica, por isso, dispensado de discutir os argumentos do João.
Vale na política, na economia, na religião, até no debate sobre meio-ambiente.
Um caso com algum parentesco com o exemplo acima é a polêmica sobre a
premiação a Chico Buarque com o "Jabuti", tido como o principal prêmio
literário do Brasil.
A premiação de "Leite Derramado", definida pelo público, foi contestada
pela Editora Record, que deixou no ar o mesmo tipo de alegação já
mencionado: Chico teria sido premiado por ter feito campanha por Dilma
Rousseff, afinal tão popular que acabou eleita presidente da República.
Não seria, portanto, pelo seu talento literário.
Todo o mundo tem o direito de gostar ou de odiar o livro. Eu ainda não
li, mas li o anterior, "Budapeste", delicioso, daqueles que você pega e
não consegue largar. Para o meu gosto, portanto, o talento de Chico está
comprovado --e não só pelas suas músicas-- desde sempre. Talento
reconhecido durante a ditadura, que o censurava, pela democracia antes
de Lula chegar ao poder e depois também. Não há portanto motivos para
colocar um fator político à frente da discussão de seu valor como
escritor.
Claro que todo o mundo pode --e até deve-- discutir tudo o que Chico
escreve, músicas ou livros. Mas que tal manter a discussão no âmbito da
literatura ou da música, sem meter no meio outros fatores, como
simpatias políticas? Vale para os comentários a textos de colunistas e
blogueiros.
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