"O escopo das realizações de Jobs é difícil de resumir em palavras", afirmou o Gawker, em um respeitoso post de 1.200 palavras singelamente intitulado "Steve Jobs morreu". Mas o respeito durou apenas 18 horas. No dia seguinte, o Gawker publicou um novo post, "Steve Jobs não era Deus". O autor argumentava que, "se você gosta de produtos da Apple, ótimo. Mas são apenas produtos. Não têm alma. Não são heróis, como tampouco seu criador, não importa o talento que tivesse".
E o tom não mudou apenas no Gawker. As águas não demoraram a se turvar depois da primeira leva de obituários. Graças ao Facebook e ao Twitter, qualquer pessoa que desaprova Jobs ou a Apple dispõe de plataformas para resmungar sobre o executivo que se comportava como astro pop.
A reação negativa quanto a Jobs começou tão rápida quanto a construção de seu mito. Vigílias à luz de velas estavam apenas principiando diante das lojas da Apple quando blogs de todo o mundo iniciaram o ataque.
Homem segura iPad 2 com aplicativo de vela durante evento em homenagem a Steve Jobs |
"Steve Jobs era uma boa pessoa ou um malévolo executivo e lacaio de Wall Street?", questionava um colaborador do site Occupy Wall Street.
Em seguida, no site da revista "Forbes", David Coursey, um jornalista de tecnologia, postou um artigo intitulado "Steve Jobs era escroto, e você não deveria imitá-lo", no qual sugeria que Jobs era quase um sociopata. Houve época em que o decoro era preservado depois da morte de uma lenda. Depois do assassinato de John Lennon, em 1980, os veículos noticiosos em geral preferiram retratá-lo como um defensor da paz armado de guitarra e evitaram menções a velhos escândalos, ao seu lado mulherengo e drogado e às maldades que dizia sobre Paul McCartney. Mas a velocidade com que as reportagens sobre São Steve se transformaram em críticas a Steve Safadão foi notável, de acordo com Kurt Andersen, romancista e antigo editor da revista "New York". "O processo reflete a velocidade do ciclo de notícias em escala amplificada, em termos de legado e valor existencial", afirmou. No Twitter, enquanto os fãs da Apple escreviam homenagens de 140 caracteres, os descrentes reproduziam ataques a Steve, o tirano; Steve, o patrão malvado; Steve o perfeccionista obcecado por detalhes irrelevantes. Quanto à imprensa comercial, ela pigarreou, ajeitou a gravata e mergulhou na lama logo atrás das novas mídias.
Daisey não é novato nos ataques a Jobs. Ele escreveu um monólogo chamado "A Agonia e o Êxtase de Steve Jobs" que, por coincidência, estreou no Public Theater em 17 de outubro, abrindo temporada em Nova York depois de 14 meses de turnê. O espetáculo detona a Apple e outras companhias de tecnologia pelas condições supostamente intoleráveis em suas fábricas. O acaso que levou sua peça a estrear em Nova York logo depois da morte de Jobs resultou em um dilúvio de cartas ofensivas e em um par de ameaças de morte, disse Daisey, mas isso não o incomodou. "Será que vamos realmente ter de ler uma vez mais que ele era um gênio?", disse. "Ao não mencionarmos coisa alguma sobre seu lado sombrio, as complexidades de sua vida, estamos na verdade escamoteando a complexidade e o verdadeiro interesse da história." E, claro, temos a publicação de "Steve Jobs", a biografia autorizada de 630 páginas escrita por Walter Isaacson. Embora o livro esteja longe de ser negativo, os blogs em busca de novos motivos de ataque logo o vasculharam em busca de trechos suculentos, como a história de que, nos dias iniciais da Apple, Jobs trapaceou para privar um dos funcionários originais da companhia, e seu velho amigo, das opções de ações a que teria direito. Mas Isaacson, que trabalhou com Jobs para o livro durante 30 meses, disse que não era justo para com Jobs, ou para com o seu texto, escolher apenas as histórias que mostram seu lado pior. "Quem ler o livro inteiro descobrirá que ele construiu uma equipe muito leal, a quem inspirava fortemente, e que ele era parte de uma família muito amorosa", disse Isaacson. "Em última análise, é preciso julgá-lo pelos resultados." |
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