Apesar de o termo "orkutização" ter se popularizado com a migração em massa de usuários da rede social do Google para o Facebook, o fenômeno é velho e recorrente.
Aconteceu com o próprio Orkut, quando deixou de ser restrito apenas a quem recebesse convite de quem já era cadastrado no site.
Para buscar um exemplo fotográfico, como o Instagram, como não se lembrar dos fotologs? Adolescentes brasileiros tomaram as páginas e incomodaram até os gringos. Resultado: o criador Adam Cypher proibiu o acesso por aqui e passou a cobrar pelo serviço. O fotolog "morreu" e surgiu o Flickr.
Em comum a todos esses episódios da história da internet no país está a insatisfação de uma parcela restrita de usuários que "chegam primeiro" e se sentem incomodados quando os "bárbaros" invadem seu território.
A ira dos pioneiros pode ser explicada por dois motivos, diz Ricardo Matsumura Araújo, 33, doutor em ciência da computação pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul): pela mudança na forma como ele é usado a partir da entrada maciça de novos usuários e pela perda --ainda que psicológica-- de valor econômico do serviço, antes "exclusivo".
Antes, o Instagram estava restrito a usuários de iPhones --que custam, no Brasil, a partir de R$ 999. Apesar de o aplicativo ser gratuito, o "preço de entrada" era alto.
As portas para a "orkutização" estariam abertas porque há celulares com sistema Android mais acessíveis, que custam menos de R$ 200.
"O que me preocupa não é o incômodo que esses usuários sentem quando um serviço deixa de ser restrito, mas como alguns reagem", diz a especialista em novas tecnologias e mídias digitais Elis Monteiro, 36. "A rede social libera o que tem de pior no ser humano."
Ela conta a história de uma palestra que fez no ano passado. Um adolescente disse, ao microfone, que o Facebook deveria ser fechado para quem tinha ensino superior.
"Quase fui vaiada pela plateia porque discordei", conta. "Ele me chamou de hipócrita e disse: 'Você não quer conviver com a sua empregada nas redes sociais'."
Para Monteiro, muitos não percebem que não há dissociação entre as vidas on-line e off-line. "As pessoas agem como se fossem duas. Quando adquirem o manto virtual, muitos acham que podem falar o que quiser."
"Muitos dos preconceitos que aparecem na internet já fazem parte da nossa sociedade", diz Raquel da Cunha Recuero, 34, doutora em comunicação e informação pela UFRGS. "Mas eles se tornam mais explícitos na rede."
Autora do livro "Redes Sociais na Internet", Recuero diz que a rede obriga o contato com quem é diferente, e isso faz com que ideias entrem em choque. "Pessoas de opiniões diferentes compartilham círculos em comum."
Para ela, como as pessoas não veem com quem estão interagindo, tendem a ser mais agressivas. "Isso gera muito conflito, mas gera interação".
"A pessoa que já conhece a ferramenta se incomoda com quem acaba de chegar", diz Monteiro. "Mas o iniciante está fazendo a mesma coisa que o incomodado fazia quando começou a usar o aplicativo. É um ciclo natural que vai sempre se repetir."
Tuítes sobre a chegada do Instagram ao Android e a compra pelo Facebook, reproduzidos (quase) sem edição |
Orkut, Facebook, Twitter, Instagram. Para Rodolfo Scachetti, 33, doutor em sociologia pela Unicamp, essas redes começaram com grupos mais restritos, e, aos poucos, o sucesso fez com que a expansão fosse inevitável.
Como o intuito da empresa é continuar crescendo, a busca será sempre por novos usuários. "Esgotado um território, busca-se outro."
Algumas empresas exploram a demanda por exclusividade. "Temos de ser mais espertos", diz Scachetti. "Há milhares de carros com a maçã colada nos vidros. Não se trata de exclusividade, mas de percepção de exclusividade."
"A Apple tem um posicionamento de marca reforçado por sua política de preços altos --que valoriza o atributo 'exclusividade' dos seus produtos--, mas faz produção em série."
Nenhum comentário:
Postar um comentário