sexta-feira, 20 de abril de 2012

Anexo de e-mail faz 20 anos, e seu criador conta como revolucionou a comunicação


Há 20 anos, cem nerds norte-americanos pioneiros da internet abriram sua caixa de entrada de e-mail e encontraram uma mensagem bizarra. Ela continha dois anexos.
O primeiro era uma foto do Telephone Chords, um quarteto vocal formado por quatro pesquisadores de tecnologia. A segunda era uma gravação de "Let Me Call You Sweetheart", uma peça comum no repertório dos quartetos vocais norte-americanos.
Mas o mais estranho não era o conteúdo anexado e sim o fato de que estivesse anexado. A mensagem portou o primeiro anexo de e-mail funcional de todos os tempos --pelo menos o primeiro que os destinatários conseguiam abrir sem dificuldade.
Mensagens contendo anexos já haviam sido enviadas, mas os destinatários não conseguiam abri-las a não ser que empregassem o mesmo sistema de e-mail que o remetente.
A mensagem com o conteúdo do Telephone Chords foi a primeira a ser enviada em formato compatível com a maioria dos programas de e-mail. E o remetente era o tenor do quarteto vocal em questão --o sujeito rubicundo e barbudo que ocupava a ponta direita da foto, com as sobrancelhas erguidas e um pulôver amarelo ovo.
Reprodução da primeira mensagem com especificação MIME enviada por Nathaniel Borenstein; ela continha dois anexos
O CRIADOR
Passadas duas décadas e um dia, o pulôver de Nathaniel Borenstein agora é cinzento. Mas ele continua a ter sobrancelhas tão espessas quanto as que a foto revela, e está sentado de pernas cruzadas em um sofá, coçando o tornozelo e rindo sobre sua invenção.
Em 2012, enviamos a cada dia cerca de um trilhão de anexos MIME (o termo técnico para o sistema de padronização inventado por Borenstein e seu colaborador, Ned Freed), mas, em 1992, diz ele em entrevista concedida em Londres, anexos eram um nicho minúsculo.
"Havia muita gente que dizia que anexos eram um desperdício obsceno de banda", relembra Borenstein, que então trabalhava para a gigante das telecomunicações Bellcore (entenderam agora o motivo para o nome Telephone Chords?).
"As pessoas consideravam que enviar e-mails grandes demais era antissocial. Não imaginavam que, com o tempo, as fotos não seriam mais digitalizadas, mas tiradas com câmeras digitais, e que não usaríamos mais modems, mas internet de alta velocidade. Eu dizia às pessoas que eu um dia teria netos e gostaria de enviar fotos deles aos amigos, e todo mundo ria de mim."
MOTIVO DE SOFRIMENTO
Rir é algo que Borenstein faz muito. Passou o final de semana passado treinando para ser instrutor de risada, na ioga. Ele ri muito de si mesmo. "A segunda das quatro Nobres Verdades [do budismo] nos diz que a causa de todo sofrimento são anexos", escreveu Borenstein em post recente no qual rebatia críticas à sua invenção. "Fico indignado diante desse horrendo exagero. Os anexos certamente não são responsáveis por mais que 25% do sofrimento humano."
No seu site, sob o título "se você deseja saber mais que isso, você é um stalker", ele publicou uma avaliação psicológica de sua alegre personalidade. De acordo com a escala Myers-Brigg, Borenstein é 53% "extrovertido", 85% "intuitivo", 63% "sentimento" e 84% "perceptivo".
"O motivo para que eu tenha publicado o perfil é que se trata de perfil bem incomum para um sujeito da área técnica", ele sorri. Na verdade, acredita que isso ajude a explicar por que foi um dos criadores da compatibilidade mundial de sistemas de anexação.
PADRONIZAÇÃO DO SISTEMA
"Fiz outro teste que avaliava se você é mais dominador ou mais submisso, e fiquei exatamente no meio do caminho. É uma boa posição a ocupar para alguém que trabalha com padronização. Para trabalhar com padronização, você precisa ser bom em criar compromissos. É preciso entender as pessoas e o que as satisfaz. Nossa realização não estava em descobrir uma maneira de enviar anexos, mas em conseguir que cem nerds adeptos do e-mail aceitassem essa maneira de fazê-lo."
Uma coisa sobre a qual não conseguiram chegar a acordo foi quanto a um nome. "Odeio a palavra 'anexo'", revela Borenstein, ainda inconformado depois de 20 anos. Isso acontece porque ele não desejava que os anexos fossem de fato anexos, mas sim que imagens e sons fossem incorporados à mensagem.
"Eu me critico muito por isso", diz. "Um dos meus erros foi não fazer a distinção necessária entre os dois modelos. O resultado é que, se incluo uma imagem no corpo de um e-mail hoje e o envio com um Mac, para muitos computadores padrão PC ela só aparecerá como um link de anexo. Foi o segundo mais embaraçoso entre os erros que cometi."
E o primeiro? "Cada objeto MIME desperdiça 19 bytes", ele confidencia, em referência ao fato de que cada anexo inclui 19 bytes de código redundante. "No geral, estamos desperdiçando sete petabytes ao ano. Mas só não gosto por motivos estéticos. Afinal, estamos falando de 19 bytes em um e-mail de três megas!"
Outros arrependimentos? Apenas um: "Recentemente, estudei aquela gravação com muito cuidado --e acho que semitonei em duas notas." Em uma reunião do Telephone Chords uma semana atrás, ele pôde enfim corrigir o erro.
POTENCIAL DA DESCOBERTA
Em 1º de abril de 1993, Borenstein sugeriu a colegas programadores que havia descoberto uma maneira simples de anexar objetos físicos a e-mails.
O objeto que escolheu foi a cabeça de Dan Quayle, ex-vice presidente dos Estados Unidos, que ele sugeriu seria fácil de codificar porque, dada a reputação de falta de inteligência do político, sua cabeça provavelmente não continha mais que óxido de nitrogênio envolto por uma camada de ferro.
Era uma brincadeira de 1º de abril, claro, mas passados 19 anos, o conceito se tornou concebível. Hoje em dia, é possível anexar códigos que, enviados a uma impressora 3D, criarão objetos físicos.
Borenstein subestimou o potencial de sua invenção? "Previ que haveria muito mais tipos de MIME do que éramos então capazes de imaginar", diz. "Mas não imaginei que chegássemos ao número que chegamos. Começamos com 16; no final do mês passado, já eram 1.309."
Uma coisa que ele previu mas ainda não se confirmou foi que aromas poderiam ser anexados a e-mails. "Imaginei que, quando a tecnologia se difundisse e barateasse o bastante, anunciantes gostariam de incluir aromas em suas mensagens. Mas o transporte de matéria era só piada. No entanto, embora ainda não tenhamos chegado ao ponto de desmaterializar uma pessoa e enviá-la por e-mail, esse conceito começa a se tornar mais crível. É possível conceber que uma empresa envie órgãos dessa maneira. Chega a espantar."
MORTE DO E-MAIL
Hoje em dia, muita gente prevê outra possibilidade espantosa: a morte do e-mail. Cansados de spam e vírus, há observadores que dizem que o e-mail se tornou complicado e formal demais, e creem que a facilidade de comunicação via mídia social é o próximo passo lógico.
Em dezembro do ano passado, Thierry Breton, presidente-executivo da Atos, gigante do setor de informática, anunciou planos para abandonar o uso de e-mails na comunicação interna da empresa, e de substitui-los por mensagens instantâneas e pelo Google Docs.
Borenstein acredita que a ideia seja uma tolice. Recentemente postou em seu blog diversas previsões brincalhonas sobre o mundo da tecnologia em 2012. Um tema recorrente era o fracasso da nova estratégia de comunicação da Atos.
"Um funcionário da Atos nos Estados Unidos não recebe o e-mail no qual a escola avisa que um de seus filhos está doente", diz um dos posts, "e processa o empregador". No mês seguinte, um post diz: "Conselho da Atos demite o presidente Breton. Mas porque o faz por e-mail, ele aparece para trabalhar no dia seguinte, e é imediatamente retirado da empresa por seguranças --já que estes nunca deixaram de usar o e-mail."
Foto publicada por Borenstein no Facebook faz alusão à imagem anexada ao e-mail de 1992

REDES SOCIAIS
Borenstein admite que a mídia social vai substituir algumas das grandes listas de discussão via e-mail, no futuro, mas ainda acredita que o e-mail ainda será a melhor maneira de contatar pessoas específicas.
"Quando você tem um artigo bom que quer indicar aos amigos, a mídia social é muito melhor que o e-mail. Mas se tem informações delicadas que precisam ser comunicadas a uma pessoa, acho difícil que opte por usar a mídia social, porque isso aumentaria o risco de exposição involuntária."
Ele menciona o recente caso de um bígamo cujas duas mulheres descobriram a existência uma da outra via Facebook. "Lamento que seja assim", diz Borenstein, "mas se você quer ser bígamo ou enganar sua mulher, melhor não usar o e-mail, e muito menos a mídia social. O Facebook acha que, se você conhece duas pessoas, elas deveriam conhecer uma à outra. O que é ótimo para a maioria das pessoas mas não para um bígamo que está enganando duas pessoas ao mesmo tempo".
COMO ACABAR COM O SPAM
Em termos mais sérios, ele diz que dados empresariais demais --85%, em sua estimativa-- estão armazenados em forma de e-mail (a maioria como anexos), e isso torna difícil abandonar o formato.
Na verdade, ele está tão convicto quanto ao futuro do e-mail em médio prazo que, em suas funções na Mimecast, a companhia especializada em e-mail para a qual trabalha agora, está criando um software de mineração de dados que detectará instantaneamente o tema de um e-mail, buscará mensagens sobre o tema na caixa de entrada e fará sugestões em tempo real sobre o que mais incluir na mensagem.
O spam é problema, ele reconhece, mas acredita que possa ser resolvido por meio de um sistema de micropagamentos que, em termos leigos, permitiria que os destinatários de spam multassem aqueles que enviam lixo às suas caixas de entrada. "Minha ideia favorita são os chamados 'títulos de atenção'. Eles permitiriam que uma pessoa anexasse ao e-mail a promessa de pagar determinada quantia ao destinatário caso este classifique a mensagem como spam. Os praticantes de spam não poderão usá-los porque seriam multados o tempo todo."
NOVAS TECNOLOGIAS
Quando a televisão surgiu, ele disse, muita gente previu a morte do rádio, "mas passados 70 anos, o rádio parece bem. Só mudou sua programação. Continua a crescer. Da mesma forma, o e-mail, que algumas pessoas dizem que está morrendo, continuará a crescer. A maioria das coisas moribundas não o faz."
E mesmo que fizessem, Borenstein ainda morreria contente. Uma de suas quatro filhas teve filhas gêmeas no ano passado, e o anexo por fim executou a missão para a qual Borenstein o criou.
"Na verdade, não fui eu que mandei a foto. Minha filha mandou", ele ri. "E era uma imagem de ultrasssom --as meninas só tinham quatro células cada uma; foi uma espécie de anticlímax. Mas aquela mensagem realizou o sonho da minha vida."


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