Alguma alma boa andou se lembrando de mim semana passada. Ou algum
temperamento satânico.
Recebi, como se enviado por velho amigo, um convite para fazer parte de
uma dessas comunidades virtuais que proliferam mundo afora supostamente
aproximando as pessoas. Facebook, MySpace, Twitter, todo mundo sabe
quais são.
Como a humanidade nasceu e morrerá sozinha, elas fazem o maior sucesso e
o chamado social networking, para dar seu nome original, aliviam um
pouco a nossa inata solidão.
Por alguns momentos no decorrer de um dia canalha (os solitários só
enxergam a canalhice dos dias), ou, na maior parte dos casos, algumas
horas, é um tal de trocar dados pessoais ("sou moreno, gosto de música
popular, futebol e tacar fogo em animais de pequeno porte", ou então,
"minha série favorita de televisão é CSI Miami, Leonardo DiCaprio faz
minha praia e já li pelo menos 3 livros"), fotos incrementadas,
endereços de outros infelizes, o diabo.
Isso me lembra um bocado, pela amostragem que me amostraram, aqueles
cadernos que, no ginasial, as mocinhas mantinham e faziam rodar pelos
colegas.
Esses cadernos levavam sempre um desenho do Alceu Penna recortado na
capa, e constava de página após página de perguntas, sempre numa letra
redondinha e caprichada.
Os cadernos ficavam uma meia-hora ou mais com colegas dos dois sexos,
como os haviam então, e eram devidamente respondidos. A sério e com uma
ponta de humor. Pronto, uma vez preenchidas as páginas, estava
sedimentado mais um relacionamento que, se não fosse para a vida
inteira, duraria o que devem durar as coisas e as artes ginasianas.
Lembro-me de certas perguntas invariáveis, sempre feitas na segunda
pessoa do singular, em todos esses cadernos (a marca era "Colegial"; sua
capa azul). "Tens namorado ou namorada?" "Quais os seus astros de
cinema prediletos?", "E no cinema nacional?". Uma dose de malícia fazia
parte do questionário, "Onde pretendes passar a lua-de-mel?", que os
malandros mais safados respondiam, "Na cama". Mais tarde, as donas do
caderno, junto com as amiguinhas, liam as respostas entre risinhos.
Impossível esquecer a pergunta final: "E por fim o que achas da dona
deste caderno?".
Assim, não contando o balcão do cine São Luiz, no Largo do Machado,
domingo de manhã, quando levavam um filme em pré-estreia, fomos nos
conhecendo. Conhecendo pouco, muito pouco, quase nada, como no poema do
Drummond, mas o suficiente para viver, chutar a bola para sempre.
Flashback. Ou flash forward. Como eu ia dizendo, antes da tergiversação
habitual, o tal do convite eletrônico de um suposto velho amigo. Era
simples e direto. Dizia que Fulano de Tal (e aí seu nome por demais meu
conhecido) queria ser meu amigo e que, caso eu topasse, bastava clicar
numa das duas palavras abaixo: um "sim" e um "não" dentro de retângulos
vermelhos.
Claro que eu não ia dizer não ao bom camarada. Teclei lá que sim, que
queria ser amigo dele, embora, já assim me considerasse. Cibernética é
cibernética, manjo pouco, embarquei nessa.
O verbo "embarcar" é o correto. No dia seguinte, na minha caixa
eletrônica de correios, havia pilhas de pessoas querendo ser minhas
amigas. Era como se eu tivesse cantado eletronicamente o "Eu quero ter
um milhão de amigos", do bom Roberto Carlos, e tivessem topado.
Só um probleminha. Eu não quero ter um milhão de amigos. Dois ou três (é
o que sobrou) me bastam. Dá para esse bate-bola de fim de jogo. Essa
nova multidão virtual virou uma trabalheira.
Eletronicamente, ou sei-lá-o-quê, o raio do sítio esse entrou pelo meu
provedor de correspondência abrindo a porta com um pontapé e manteve
refém toda minha longa lista de contatos. Atenção: eu disse "contatos".
Não disse "amigos".
Entre os contatos, lá se foram, para um suposto beleléu cibernético, meu
contador, meu banco, meu advogado, gente que já partiu desta para
melhor (não tenho coragem de dar uma "deletada" no arquivo deles que,
sentimentalmente, guardei), sem falar nos chatos do imposto predial, do
fornecedor de TV em HD e por aí afora. E botemos "aí afora" nisso.
Pior é o que o sítio em questão tinha nome de bolero vagabundo: "Que
Pasa". Que nunca, jamais Lucho Gatica gravaria mesmo no auge de sua
decadência. Eu deveria ter desconfiado. E o grilo do vírus? Achei que
vinha, além da besteira que veio, o inferno virtual de um potente vírus,
malware dos mais mal encarados, troiano safado, esses bichos. Até
agora, nada. E bato na madeira três vezes. Toque, toque, toque.
História mais desinteressante não pode haver. Valeu apenas pela saudade
daqueles cadernos que corriam a sala de aula e o recreio do velho
colégio. Que, esse sim, passou. Passou mesmo.
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