sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Abrir dados de telefones para governos é contra princípios da ONU, diz ativista

Cada liberdade a mais que os governos têm de acessar dados pessoais é para Cindy Cohn um passo para longe dos direitos humanos e os princípios que fundaram a ONU (Organização das Nações Unidas).
A fala de Chon, diretora de legislação da Electronic Frontier Foundation, é uma dura crítica ao recente posicionamento de uma agência da ONU a favor de que empresas de telecomunicação colaborem com governos interessados em discutir regras de privacidade de seus clientes.
Recentemente, o secretário-geral da International Communications Union, Hamadoun Touré, disse que o pleito de países como Arábia Saudita e Índia sobre o acesso de mensagens e e-mails trocados por celulares era legítimo.
Confira a entrevista.
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Folha - A conclusão é que a tecnologia de criptografia estaria a serviço de terroristas. Que podem usar o telefone para, suponhamos, explodir pessoas.
Cindy Cohn - Isso não é verdade. Não se está dando tecnologia para as pessoas bombardearem outras. Isso é loucura. O que se está dando é a habilidade para o governo ouvir as comunicações dos outros.
A ideia é que se você, por acaso, for uma má pessoa, eles vão saber. Isso não é a mesma coisa de dar a alguém tecnologia, muito menos tecnologia para disparar uma bomba.
É muito problemático que as Nações Unidas não esteja ao lado da liberdade de expressão.
Por quê?
É parte da Declaração de Direitos Humanos, parte da convenção de direitos civis e políticos. É um de seus princípios fundadores. E se eles não podem entender o que é permitir que os governos do mundo escutem cada conversa de seus cidadãos e de quaisquer outros, vou pedir que eles conversem com Eleanor Roosevelt [ex-primeira dama americana que teve participação na aprovação da carta de direitos humanos]
Isso é loucura. A ideia de que iremos para um mundo digital onde os governos tenham um tipo de direito de ouvir a cada conversa é fundamentalmente inconsistente com os princípios da ONU.
E a ideia que isso está elegantemente vestido como uma medida de segurança não muda nada. E ninguém está dizendo que o governo não deveria ter a liberdade de grampear as pessoas. Mas o que estão exigindo é acesso às comunicações de todo mundo.
Como ter as chaves de todos os celulares do planeta?
Exatamente. É como tem um carinha que segue todos os cidadãos todas as vezes que eles têm uma conversa privada com suas esposas e filhos. Lá estará uma agência governamental ouvindo tudo.
A ITU não é tem poderes regulatórios. É mais como uma associação técnica.
Eu sei o que eles são. Mas eles deveria jogar pelas regras da ONU.
Então basicamente é uma violação de princípios?
Sim. E eu odeio ser chata. Mas isso é o que a União Soviética fazia: ouvir as pessoas todo o tempo. Só que nesse caso é pior, estão demandando que a empresa abra seus dados.
Esse não é problema comum das empresas ocidentais? Trabalhar em países que não estão fundamentados na liberdade de expressão? Como Apple e Google.
Primeiro elas deveriam dizer não, e ficarem juntas. Por muito tempo vemos os governos separarem essas empresas. 'Nós vamos ficar com nossos clientes, e eles querem privacidade', essa é a primeira coisa.
O governo dos Estados Unidos se posiciona com força em relação à privacidade. E deveria se pronunciar nesse caso. É muito problemático. A Europa tem uma história muito ruim de como governos massivos podem se sair muito mal.
Mas a legislação americana tem novas leis que permitem ao governo ouvir conversas de seus cidadãos.
Não dessa maneira. Nenhuma lei exige a pronta entrega de informação. Mas sim, travamos essas batalhas nos EUA, não estou dizendo que os EUA são perfeitos. Temos lutas constantes. Estamos processando o governo pelo grampo sem mandato. Mas vamos ser claros: isso é grampear sem mandato, o que representa violação de três leis: das comunicações, da armazenagem de informação e do grampo.
E no campo dos negócios, o governo americano tem muito interesse em que suas empresas compitam em um ambiente justo em todo o mundo. Mas como você pode competir com igualdade na Índia se o governo pode ler seu BlackBerry? Ou na China? Na Árabia Saudita? Governos e competidores estão ouvindo suas comunicações. Quem pensa que não é isso que está acontecendo ainda não prestou atenção à história.
É assim que isso será usado, por governos e indústrias para ganhar vantagens sobre empresas concorrentes. Será usado por governos para perseguir dissidentes e ativistas.
É ruim no nível de negócios e é ruim no nível dos direitos humanos se as pessoas não tem privacidade.

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