Em meio à horda diária de notebooks, celulares, iPods e congêneres,
mensagens de texto e voz que emergem das mangas ou do capuz de uma
jaqueta parecem um pouco demais para você?
Não para os pesquisadores da Universidade de Concordia, no Canadá, e do
Goldsmiths College, da Universidade de Londres. Eles criaram uma roupa
assim para, justamente, amenizar as tensões cotidianas e melhorar a
qualidade de vida.
A roupa, batizada de "wearable absence" (algo como "vazio para vestir'),
reúne dispositivos multimídia e sensores que disparam conteúdos
reconfortantes a cada vez que são detectadas alterações emocionais no
corpo de quem a usa.
Essas alterações são mensuráveis por batimentos cardíacos, temperatura,
frequência respiratória e resposta galvânica da pele (relacionada à
transpiração).
"A "wearable absence" combina inovações com têxteis interativos e com a
ideia de que é possível arquivar a vida de um indivíduo para lhe
oferecer uma nova forma de ativar sua memória pessoal", tenta explicar à
Folha a pesquisadora norte-americana Barbara Layne.
Layne é uma das fundadoras do Hexagram, instituto de pesquisa em arte
eletrônica e tecnologia da Universidade de Concordia. Criado há nove
anos, é integrado por 80 pesquisadores de universidades de Montreal e
composto por cinco laboratórios voltados à experimentação têxtil no
cruzamento entre arte, ciência e indústria.
No casaco, toda informação disponível (textos, fotos, vídeos, arquivos
sonoros) é armazenada previamente em um banco de dados, pelo próprio
usuário da roupa. As imagens são exibidas na tela de um smartphone
alojado no bolso da peça.
Músicas e mensagens de voz são emitidas por pequenos alto-falantes
embutidos no capuz ou nos ombros; textos são apresentados por meio de um
sistema de LEDs (diodos emissores de luz) entremeado no tecido -e
acoplado aos punhos ou às mangas da jaqueta- ou, em outros modelos, de
um painel de cristal líquido (LCD).
Para funcionar, a invenção requer duas baterias de celular.
ALÍVIO DA SOLIDÃO
"Esse tipo de roupa pode ser muito útil para quem está doente e
necessita ser confortado pelas pessoas que ama como forma de obter
bem-estar. Com ampliações ou adaptações, também pode ser usada em
atividades esportivas, segurança pública etc. Em qualquer lugar onde
alguém precise de inspiração ou de ferramenta para aliviar a solidão",
avalia Layne.
O agasalho é um entre os vários inventos desenvolvidos pelo Hexagram,
nesse caso em parceria com o Goldsmiths Digital Studios, centro da
Universidade de Londres dedicado a investigações que misturam
tecnologias digitais e arte.
Os pesquisadores do instituto canadense também engendraram produtos como
vestidos que respondem à luz ambiente e casacos que projetam textos e
configuram mensagens diferentes quando seus usuários dão as mãos. Por
enquanto, essas criações percorrem museus, exposições e feiras.
No momento, o estúdio liderado por Layne desenvolve um novo dispositivo
que permitirá registrar em tecidos textos ou desenhos a partir de uma
estrutura flexível de LEDs. O objetivo do projeto é que materiais
têxteis "sensíveis à interação humana", como descreve a pesquisadora,
respondam literalmente ao toque de um dedo.
Os protótipos atraíram o interesse de diversas empresas. Não falta quem
queira transformar as invenções em artigo comercial, mas isso é algo que
não está nos planos da equipe em um futuro imediato, segundo a
pesquisadora norte-americana.
Tudo o que é desenvolvido nesse laboratório sempre requer um processo de
pesquisa e desenvolvimento demorado e muito intenso, segundo Layne. "A
maioria das roupas que criamos demanda cerca de cem horas de trabalho
manual. Estamos mais interessados em explorar o potencial dos tecidos
eletrônicos do que em encaminhar produtos ao mercado", diz.
E continua: "O que desejamos é mostrar uma nova forma de participação
das pessoas em uma experiência de melhor qualidade de vida".
Dentro desse conceito, a era da informação e alguns dos que seriam seus
efeitos colaterais, como a recepção indiscriminada de dados em excesso
ou a diminuição da vida social fora do âmbito virtual, podem ser
revertidos ou utilizados para aprimorar de fato a rotina das pessoas.
O potencial dos modelos "wearable absence" está focado no objetivo de
fornecer bem-estar às pessoas e experiências relacionadas a conforto e
boas memórias.
TECIDO-ACOMPANHANTE
Outros projetos em desenvolvimento são "touchpads", acessórios leves que
poderão ser usados como dispositivos de mensuração biomédica, e que
respondem a informações relacionadas a sangue, urina, vômito, suor,
lágrimas ou saliva.
Essas inovações podem alertar o acompanhante de algum doente, ou enviar
dados a um sistema de rastreamento do estado do paciente.
"Diversas empresas estão criando artefatos com sensores biológicos não
invasivos de uso médico. São roupas que podem indicar mudanças em
pacientes, alertar quando necessitam medicação ou solicitar a presença
de um médico, em caso de emergência. Outras companhias estão criando
tecidos, roupas e acessórios para aumentar a segurança de crianças, de
bombeiros ou de trabalhadores da construção", enumera a pesquisadora.
Na opinião dela, os avanços mais interessantes no campo dos tecidos
inteligentes estão sendo obtidos por uma nova geração de artistas,
designers, engenheiros e programadores, profissionais profundamente
especializados em uma determinada área, mas que também desenvolveram
habilidades em campos complementares.
"A junção entre engenharia, pesquisa têxtil e informática é motivada
pela curiosidade de gente interessada em oferecer novas dinâmicas de
interação social", filosofa.
Mais do que fazer o homem, como prega o velho ditado, a roupa vai
interferir de forma crescente em aspectos do dia a dia que atingem a
humanidade em escala global, na visão de Layne.
"Novos materiais e processos vão evoluir em relação às mudanças que se
observam nas pautas culturais e políticas. Artefatos têxteis mantêm
relações significativas com temas críticos do futuro, como reciclagem,
ecologia, mudanças climáticas etc. Técnicas antigas vão ser revisitadas e
adaptadas à produção contemporânea na medida que a globalização
impulsiona o intercâmbio de ideias e de economias de forma
internacional", prevê.
Trabalhar com tecidos, em breve, vai ser algo promissor não pelo fato de
essa ser uma disciplina bem estabelecida ou por estar perfeitamente
definida, mas por se tratar de uma área heterogênea, em transformação e
interdisciplinar, com capacidade de se conectar à vida cotidiana.
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