Para ele e os executivos do site, isso não é vilania, mas um serviço.
Kirkpatrick está escrevendo "The Facebook Effect - The Inside Story of the Company That's Connecting the World" (O Efeito Facebook - A História da Companhia Que Está Conectando o Mundo Vista de Dentro, com previsão de lançamento em junho pela editora Simon & Schuster).
A história "verdadeira" ou oficial promete anular o efeito do filme "The Social Network" [A Rede Social, em produção], que conta a criação da mais popular rede de relacionamentos do mundo como motivada pelas dificuldades de seus criadores de arrumar amigos e namoradas na prestigiosa Universidade Harvard.
Em termos de contas cadastradas, embora os dados sejam passíveis de contestação (contas abertas não significam usuários ativos), o Facebook tem estimados 400 milhões de perfis, dos quais cerca de 3 milhões de brasileiros --estes vêm mais que dobrando nos últimos seis meses, em que jogos como "Farmville" e "Mafia Wars" têm se tornado populares.
O Orkut ainda é a rede mais popular no Brasil. Os brasileiros têm 51% das mais de 80 milhões de contas dessa rede. Ex-colunista de tecnologia da revista "Fortune", Kirkpatrick é criador da conferência "Techonomy", que acontece em agosto.
Segundo ele, o neologismo, mistura de "tecnologia" e "economia", se refere a uma "nova filosofia do progresso", que pode ser resumida na fórmula "qualquer tipo de progresso precisa aceitar a mudança exponencial na tecnologia".
Se a economia convergir com as tecnologias desenvolvidas pelo Facebook, a tendência é vivermos num mundo de menos senhas e ainda menos privacidade, como se pode verificar na entrevista abaixo, concedida à Folha por telefone.
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FOLHA - Por que o Facebook fez mais sucesso que outras redes? DAVID KIRKPATRICK - A primeira razão que fez dele um sucesso é ser baseado na identidade genuína. Diferentemente de Friendster, MySpace ou Orkut, por exemplo, para se cadastrar é preciso usar um nome real.
Ele não foi projetado para que se conheça gente nova, mas para encontrar pessoas já conhecidas. É uma vantagem em relação a outras redes sociais, que admitiam nomes falsos.
O Friendster ficou famoso por seus "fakesters" ["falsários"], por exemplo. Algumas redes tentaram controlar o uso de identidades falsas, mas falharam. O MySpace, ao contrário, nunca ligou para isso.
Outro motivo foi a simplicidade da interface --pode-se dizer que ele tem como modelo o Google. Manter a propaganda a um mínimo dava uma sensação não comercial. E tinha ferramentas mais simples de usar do que os concorrentes.
O MySpace, por exemplo, é muito decorado, caótico; parece a Times Square: cheio de luzes piscantes. Pode fazer sucesso com adolescentes, mas o Facebook apela tanto aos avós quanto aos jovens.
FOLHA - Se procuro uma banda, tento o MySpace; se busco um jornalista, entro no Twitter. Há um usuário típico do Facebook?
KIRKPATRICK - Não. Nos primeiros anos, houve o estudante universitário norte-americano, mas esse grupo caiu para menos da metade. O que mais cresce é de mulheres entre 35 e 45 anos.
É um site global. No Canadá, 42% da população está cadastrada. Seu uso é associado a pessoas com maior nível de instrução, diferentemente do MySpace. Mas, no Reino Unido, por exemplo, o site é popular em meio à classe trabalhadora.
FOLHA - O Facebook era a rede dos universitários e se generalizou. O Twitter não nasceu com a marca de ferramenta jornalística ou política, mas se tornou algo assim. Quão imprevisível é o desenvolvimento do perfil dessas redes? Prevalecem a estrutura ou os usuários?
KIRKPATRICK - A estrutura define o uso. O Twitter foi pensado como sistema de difusão, portanto quem aderiu foram comunicadores, políticos e empresas.
Adolescentes geralmente não querem fazer anúncios públicos. No Facebook, as funções foram desenvolvidas para universitários, mas, com a ampliação, suas funções passaram a ser deliberadamente pensadas para um público maior.
FOLHA - A história segundo a qual o Facebook foi inspirado nos clubes da Universidade Harvard, contada em "The Accidental Billionaires" [Os Bilionários Acidentais, de Ben Mezrich, ed. Doubleday], tem apelo. Tal livro é um desserviço ao estudo das redes sociais?
KIRKPATRICK - Essa versão tem apelo, mas é falsa. O próprio título mostra que é falso, pois um sucesso assim não ocorre por acidente. Chamá-lo de acidental é idiotice.
Ben Mezrich obteve suas informações principalmente do brasileiro Eduardo Saverin, um estranho para Zuckerberg e que agora está amordaçado por um acordo judicial [pelo qual foi reconhecido como cofundador da rede de relacionamento].
A ideia de que criaram o site para "pegar mulheres" é falsa. É claro que todos querem entrar nos "final clubs" [sociedades de alunos de Harvard], mas daí dizer que o site foi criado por isso é absurdo. A parte do sexo é toda inventada. Mezrich conta o que Zuckerberg pensava e fazia, mas nunca perguntou a ele sobre isso.
FOLHA - O que o sr. espera do filme "A Rede Social", baseado em "Os Bilionários Acidentais"?
KIRKPATRICK - Vai chamar alguma atenção, é claro. Pelo que vi do script, poderia até se tornar uma versão mais correta, mas acho difícil, porque a história falsa é bem cinematográfica.
FOLHA - Há agora uma onda de brasileiros entrando no Facebook. Eles estragarão a rede, como alguns americanos diziam que os brasileiros fizeram com o Orkut?
KIRKPATRICK - O Facebook é a maior rede social em muitos países, mas o Brasil é uma das grandes exceções. Nos primeiros tempos do Orkut, houve uma campanha brasileira para ultrapassar os americanos em número de usuários, e muitos americanos saíram, pois havia reclamações quanto ao português ter se tornado o idioma corrente.
No Facebook a tendência é um pouco diferente. Seu design enfatiza que as pessoas encontrem apenas gente conhecida de verdade; você só vai encontrar gente de outras nacionalidade se forem seus amigos.
FOLHA - Aí está um problema novo. Depois de bater Orkut e MySpace, depois de conseguir evitar que muitos usuários abandonassem o site em favor do Twitter, agora vem um nova fase: a era dos aplicativos, especialmente os jogos. Eles não destroem o design limpo e o princípio da amizade baseada no "mundo real" do Facebook?
KIRKPATRICK - Poderiam, se a tendência continuar e sair do controle. Mas duvido. A ambição do Facebook não é ser a maior rede social, é ser a infraestrutura identitária da internet.
Querem mapear as relações sociais, de modo que possam aplicar tais mapas para todas as outras atividades on-line --e até off-line. Eles não arriscarão a qualidade do que chamam "gráfico social".
Os engenheiros da empresa reconhecem abertamente que a meta é não precisar usar mais o endereço facebook.com. Ele se tornará um serviço a ser usado através das outras redes.
Já existe o Facebook Connect, que unifica senhas de diversos serviços; a pessoa navega por outros sites sempre mantendo a rede de relações do Facebook.
Eles já têm a capacidade de alimentar o Facebook e transferir informações do sistema a partir de outros sites. Creem que, no longo prazo, tudo na internet terá um componente social. Querem fazer a conexão de uma rede com as outras: você entra num site de jornal, entra no MySpace, e a informação vai para o Facebook.
FOLHA - A tendência é uma rede concentrar a informação de toda a internet?
KIRKPATRICK - É uma questão de "custo da mudança". Uma vez que você estabelece sua rede de contatos, seu "gráfico social", é muito cansativo e trabalhoso reiniciar e tentar recriar suas conexões em outro lugar.
Ninguém quer fazer isso. O Google está tentando resolver esse problema com o Buzz, mas a partir das conexões de e-mail --porém vários jovens não usam e-mail no mesmo nível das redes sociais.
FOLHA - Com as informações pessoais todas agregadas, caminhamos para um mundo sem privacidade?
KIRKPATRICK - A responsabilidade de pôr informações na rede é do usuário. Há controles de privacidade, mas também há quem acredite que o mundo esteja se tornando mais transparente.
Esses pontos de vista são conflitantes, o que ficou evidente com os novos controles usados pelo Facebook em dezembro: há a possibilidade de o usuário aumentar sua privacidade, embora o sistema encoraje as pessoas a escolherem a opção sem privacidade.
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