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Será que o Facebook tem algum problema com as mulheres? A pergunta é
feita desde 2011, quando Eve Ensler e a revista "Ms" chamaram a atenção
para o fracasso dessa rede social em retirar imagens misóginas que
pareciam glorificar o estupro e a violência doméstica.
Aí a questão foi retomada semanas atrás, quando usuários usaram o Twitter para manifestar sua raiva contra a recusa do Facebook em remover imagens que tentavam fazer piada com o estupro. Duas em particular circularam amplamente. Uma mostrava uma mulher amarrada e amordaçada em um sofá, com uma legenda que dizia: "Não é estupro. Se ela realmente não quisesse, teria dito alguma coisa". A segunda mostrava uma camisinha, sob as palavras "Plano A"; uma pílula anticoncepcional de emergência, o "Plano B", e aí vinha o "Plano C", um homem empurrando escada abaixo uma mulher de rosto ensanguentado.
Os "padrões da comunidade" do site declaram que "o Facebook não permite discurso de ódio, mas faz distinção entre um discurso sério e um discurso de humor". O que não fica claro, apesar de várias campanhas de grande repercussão e de uma petição do Change.org que angariou mais de 200 mil assinaturas, é como o site estabelece tal distinção. Nos últimos anos, mulheres dizem ter sido banidas do site e viram suas páginas serem removidas por postarem imagens de cupcakes glaceados como lábios vaginais, fotos de mães amamentando e retratos de mulheres após mastectomias.
Mas as imagens que atualmente aparecem no site incluem uma piada sobre o estupro de uma criança deficiente, uma piada sobre sexo com uma menor de idade e imagens e mais imagens de mulheres agredidas, ensanguentadas e de olhos roxos, em "piadas" explícitas sobre violência doméstica.
Há incontáveis grupos com nomes como "Algumas vadias precisam ter suas gargantas cortadas", ou "Não é 'estupro' se elas estão mortas, e se elas estão vivas é sexo-surpresa". Uma das piores imagens que encontrei numa breve busca mostra a carne de uma mulher com as palavras "papai me f... e eu adorei" entalhadas em ferimentos recém-abertos.
Um porta-voz do Facebook insistiu: "Não há lugar no Facebook para discurso de ódio ou conteúdo que seja ameaçador ou incite à violência".
Jules Hillier, diretora-executiva de políticas e comunicações da ONG Brook, voltada para a saúde sexual juvenil, diz que "as mídias sociais podem ser brilhantes, dando às moças e rapazes um espaço para o debate e a discussão, e dando a organizações como a nossa uma rota para oferecer informações e conselhos. Mas é uma faca de dois gumes. Eu só queria que os fatos e o apoio circulassem com metade da rapidez dos mitos, da desinformação, do bullying e do abuso, coisas para as quais as mídias sociais também abrem oportunidades".
Quando contatei o Facebook atrás de um comentário sobre duas imagens que circulam no Twitter, a página toda (charmosamente batizada de "Magoou? Tá bom. CAI FORA, PORRA") já havia sido tirada do ar quando eles me retornaram a ligação. Um porta-voz disse que isso não tinha ocorrido porque as imagens violassem os termos, mas porque o administrador havia deixado de associar publicamente seu perfil à página. Não consigo encontrar nenhuma menção a tal exigência nos "padrões da comunidade" do Facebook, e, seja como for, dificilmente isso mitiga a publicação desse tipo de material.
Quando perguntei se as imagens dos cupcakes proibidos haviam sido retiradas por erro de um scanner automatizado, o porta-voz disse que isso era improvável. Então foi uma decisão humana proibir a imagem daquele cupcake. Assim como é uma decisão humana permitir que páginas como "Teen SLUT pics" ("fotos de adolescentes VADIAS") continuem publicando imagens de garotas de aspecto muito jovem, sem provas de que elas tenham dado consentimento para o uso das suas fotos.
"Levamos muito a sério os relatos sobre conteúdo questionável e ofensivo", disse o porta-voz do Facebook. "No entanto, também queremos que o Facebook seja um lugar onde as pessoas possam discutir questões abertamente e expressar suas opiniões, sempre respeitando os direitos e sentimentos dos outros. Grupos ou páginas que expressem uma opinião sobre um Estado, instituição ou conjunto de crenças - mesmo que essa opinião seja ultrajante ou ofensiva para alguns - não violam por si sós nossas políticas."
Há um argumento comum de que essas páginas são "inofensivas", e que quem não gosta delas pode simplesmente não olhá-las. Mas alguém que tenha um amigo que "curta" uma dessas imagens pode encontrá-las pulando sem aviso prévio na sua timeline. Cada imagem normaliza a violência de gênero, passando às vítimas e perpetradores a mensagem de que na nossa cultura isso não é levado a sério.
A escritora feminista Soraya Chemaly afirmou: "Afinal, não se trata de censura. Trata-se de optar por definir o que é aceitável. O Facebook claramente aceita representações de algumas formas de violência, especialmente a violência contra as mulheres, como sendo qualitativamente diferentes de outras".
O porta-voz do Facebook disse: "Não é tarefa do Facebook definir o que é aceitável. Trabalhamos muito para poupar nossos usuários de danos diretos, mas, no final das contas, a censura não é a solução para o mau comportamento on-line ou para crenças ofensivas. Ter a liberdade de debater questões sérias como essa é a forma pela qual combatemos o preconceito".
Para quem acredita que não há relação entre o tratamento e a percepção das mulheres no mundo real e as normas culturais promovidas pela mais usada rede social do planeta, eis uma seleção de comentários. Alguns são dessas páginas "inofensivas" do Facebook. Outros são de experiências de mulheres reais, relatadas ao projeto Sexismo Cotidiano. E alguns são exemplos dos abusos que sofri, como uma mulher ousando escrever sobre as mulheres on-line:
"Você tem a opção de transar, eu tenho a opção de estuprá-la."
"Se você não parar de cagar para mim, vou pagar quatro amigos meus para estuprarem você."
"Vai lá, chama a polícia - eles não podem desestuprar você."
"A única razão pela qual vocês foram colocadas neste planeta é para podermos foder vocês. Morra, por favor."
Você consegue dizer a diferença?